Apoios invisíveis: a situação dos Trabalhadores de Arqueologia

Não se percebe a exclusão dos profissionais de Arqueologia das medidas de apoio anunciadas. Igualmente preocupante é o processo, em curso, de elaboração do Estatuto do Profissional da Cultura

Recentemente a ministra da Cultura anunciou, com grande pompa, novos apoios para o sector e trabalhadores da Cultura, que totalizam 70 milhões de euros. Como se sabe, nem sempre o que parece é, e no caso dos profissionais de Arqueologia os apoios serão mesmo invisíveis, já que nenhum foi destinado a este sector.

Ao longo dos últimos meses o STARQ (Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia) tem feito sucessivas e públicas denúncias junto da comunicação social e enviado abundante documentação ao Governo. No entanto, este Governo, nomeadamente o Ministério da Cultura, que só parece agir reagindo, tem-se demonstrado frugal nas respostas. O sector da Arqueologia continua a ser alvo de uma tentativa de invisibilização de que nos parece expressiva na condução de três processos: o do Apoio Social para Trabalhadores da Cultura, a elaboração do Estatuto do Profissional da Cultura e o “mapeamento” da Cultura.

O Apoio Social para Trabalhadores da Cultura nasce logo com uma grande lacuna: o setor do Património Cultural. O Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) fala de trabalhadores da Cultura, mas de facto apenas refere a “Linha de apoio social aos artistas, autores, técnicos e outros profissionais das artes”. Ora, o sector da Cultura é bastante mais abrangente, e conta com profissionais cuja natureza formativa e laboral radica em áreas diversas, onde se incluem os Trabalhadores de Arqueologia.

Apesar de existirem claras diferenças entre as necessidades e dificuldades da Arqueologia e das Artes, há problemas estruturais comuns, nomeadamente a elevada incidência de precariedade que grassa entre os trabalhadores. Em recente inquérito realizado pelo STARQ (cujos resultados foram enviados ao Ministério da Cultura) concluiu-se que 70% dos profissionais deste setor são trabalhadores precários. Por esta razão, não se percebe a exclusão dos profissionais de Arqueologia das medidas de apoio anunciadas. O trabalho intermitente, muitas vezes à jorna e sem proteção social, é uma realidade para muitos profissionais de Arqueologia que, mais uma vez, sentem o abandono de quem é deixado de lado.

Igualmente preocupante é o processo, em curso, de elaboração do Estatuto do Profissional da Cultura. É certo que esta iniciativa é bem-vinda, mas novamente se desconhece qualquer tentativa do governo em ouvir as associações do setor da Arqueologia. Há milhares de profissionais que protegem, investigam e valorizam o Património Cultural, no entanto continuam postos de parte. Por conta de anos de desinvestimento do Estado, da dependência excessiva da construção civil, da grande fragilidade do seu sector empresarial e da desregulação das relações laborais e dos impactos na sua saúde física, estes trabalhadores deveriam ter reconhecida a exceção da sua situação profissional e ser considerados para medidas sociais específicas e direcionadas. Caso não haja qualquer abertura para que o estatuto possa ser um instrumento de proteção social dos trabalhadores de Arqueologia assistiremos à continuação de um modelo nefasto, que destrói os profissionais e o próprio Património. É preciso ouvir o sector, com as suas associações representativas, para que possamos também garantir a dignidade e o futuro destes trabalhadores.

Questionamos também como está a ser feito o, já várias vezes referido pela ministra, “mapeamento” da Cultura. O sector da Arqueologia conta com estudos feitos sobre o seu meio e os seus profissionais, realizados tanto por académicos como por associações representativas. Estes estudos devem ser analisados, discutidos e integrados no diagnóstico da Cultura. Tem sido afirmado pelos responsáveis do Governo que é preciso ter um melhor conhecimento do setor da Cultura para que se possa avançar com políticas públicas direcionadas que garantam a proteção social dos trabalhadores. Mas novamente a Arqueologia está esquecida, não existindo uma única frase que preveja ou mesmo cite esta área de trabalho e produção de conhecimento. Lembramos que existem milhares de profissionais a trabalhar em prol do Património Arqueológico, tanto no sector público como, maioritariamente, no sector privado. Será que pura e simplesmente não serão tidos em conta? Será que o governo conhece os problemas que assolam o trabalho em Arqueologia e a preservação do património arqueológico, tendo uma estratégia de fundo para o sector? Olhando para as (in)acções da tutela parece-nos que a resposta é não.

Não sendo possível prever o que os tempos que se avizinham reservam para os trabalhadores do Património, o cenário não se apresenta animador. A inexistência de medidas de apoio governamentais, a ausência de políticas patrimoniais concretas e demais problemas já referidos, apontam, na melhor das hipóteses, para que tudo se mantenha com a instabilidade atual, ou, mais provavelmente, que a precariedade e a falta de condições laborais se agravem, com prejuízos para o Património e, sobretudo, para os profissionais. O desemprego e o abandono da profissão podem vir a ser o futuro para muitos.

Em suma, é nossa missão denunciar mais uma vez o descaso com uma área tão importante para a Cultura do país. Julgamos que no Ministério da Cultura esta invisibilidade só poderá vir do desconhecimento e do desinteresse, o que traduz a enorme gravidade desta situação. Apesar de sabermos que a continuada e negligente ausência de uma política clara para o Património Cultural tem sido uma constante nos últimos anos, nunca deixaremos de gritar o óbvio, que a Arqueologia também é Cultura! 

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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