Tiktok partilha dados pessoais dos utilizadores com autoridades. E a Google e o Facebook, também

Os documentos obtidos no dossier BlueLeaks mostram que as plataformas online partilham nomes de utilizadores, nomes verdadeiros, números de telefone e até moradas com as autoridades dos EUA.

Foto
Os documentos BlueLeaks realçam que partilhar informação com as autoridades é uma prática comum reuters/steve marcus

Centenas de documentos das autoridades norte-americanas obtidos num ciberataque recente mostram que o TikTok, a Google (dona do YouTube e do Gmail) e o Facebook colaboram frequentemente com as forças policiais ao enviar endereços de IP, números de telemóvel, moradas e nomes verdadeiros de alguns utilizadores. Muitas vezes, as pessoas afectadas continuam a aceder às plataformas e não são avisadas de que os seus dados foram partilhados com as autoridades.

A informação surge numa altura em que a administração de Donald Trump quer proibir o TikTok nos Estados Unidos por acreditar que a empresa, que é detida pela chinesa Bytedance, partilha dados dos utilizadores norte-americanos com Pequim (a alternativa, é obrigar a empresa a ser comprada por outra norte-americana). Faz parte do dossier BlueLeaks, uma colecção de documentos de 251 sites da polícia norte-americana que atacantes, com ligações ao grupo de ciberactivistas Anonymous, roubaram de servidores de uma empresa no Texas em Junho — inclui documentos redigidos entre 1996 e 2020.

“Considerar a informação que o TikTok partilha com as autoridades norte-americanas, introduz um novo ângulo no debate sobre a rede social”, argumenta Elsa Kania, uma especialista em tecnologia chinesa no Center for a New American Technology (CNAS), um think thank focado no futuro da tecnologia norte-americana que publica frequentemente sobre o tema no Twitter.

Em entrevista à revista Intercept, Kania explica que a informação mostra um “paralelismo assustador” com a ideia de que o governo chinês pode usar tecnológicas como o TikTok para espiar os seus utilizadores. “Numa altura em que assistimos a tentativas da administração [de Donald Trump] para estabelecer um contraste em termos de valores e ideologia com a China, estes paralelos recorrentes são uma barreira”, nota Kania.

Partilha de dados nunca foi segredo 

Não é segredo que as três empresas visadas partilham dados dos seus utilizadores com as autoridades há anos em “situações de emergência”, tais como quando há vidas em risco. As próprias tecnológicas admitem-no nos seus relatórios de transparência anuais: por exemplo, na segunda metade de 2019 o TikTok diz que recebeu 100 pedidos de informação das autoridades norte-americanas sobre 107 contas (forneceu informação sobre 82%), o Facebook diz ter recebido 51,121 pedidos (ajudou em 88% das situações) e a Google recebeu 36.741 solicitações (respondeu a 83%).

Só que os novos documentos detalham o tipo e quantidade de dados que são partilhados numa altura em que as pessoas estão cada vez mais cautelosas com a cibersegurança e o poder das autoridades. No caso do Google, uma investigação do jornal The Guardian nota que os dados partilhados incluem os nomes verdadeiros dos utilizadores, comentários publicados na Internet, dados dos cartões de crédito, emails de recuperação de palavra passe, e data e hora de acesso a determinados serviços. Por norma, estavam associados a utilizadores que publicavam conteúdo extremista ou violento. No caso do TikTok, além de informação sobre os utilizadores, os documentos incluem relatórios detalhados sobre como vídeos e publicações de alguns utilizadores fornecem “tácticas, técnicas e procedimentos” para interferir com as forças policiais durante protesto.

Muitos dos documentos no dossiê estão associados ao Centro de Inteligência Regional do Norte da Califórnia, que foi criado depois do 11 de Setembro de 2001 para facilitar a troca de informação entre agências governamentais.

“Num momento em que se avaliam as falhas da polícia em manter as pessoas seguras, é imprudente que a Google entregue informações privadas dos utilizadores às autoridades”, contextualizou Steven Renderos, director da organização não-governamental Media Justice em declarações ao The Guardian.

A Google defende-se. “Se tivermos razões para acreditar que podemos evitar que alguém morra ou sofra danos físicos graves, podemos fornecer informações relevantes a uma agência governamental. Consideramos estes pedidos de dados à luz das leis aplicáveis e das nossas políticas”, sublinha um porta-voz do Google, contactado pelo PÚBLICO, sobre a situação.

A equipa TikTok explica, por sua vez, que “requer documentos legais válidos para partilhar informação [com as autoridades]” e revê todos os pedidos “cuidadosamente” porque está “comprometida em proteger a privacidade dos utilizadores”.

O PÚBLICO também contactou o Facebook, mas não obteve resposta até à hora de publicação desta notícia. A equipa da rede social lembra, no entanto, que a rede social sempre admitiu partilhar alguma informação com as autoridades por motivos de segurança. Os documentos BlueLeaks realçam apenas como se trata de uma prática comum entre as diferentes plataformas online, independentemente da origem da empresa.

Sugerir correcção