Os ministros também têm de trabalhar

Trocar a multiplicação de debates com o Governo por audições em série a ministros é por isso um favor do PSD ao primeiro-ministro.

No curto prazo de uma semana, a liderança do PSD anunciou que vai chamar três ministros à Assembleia da República – primeiro o ministro da Defesa por causa da inacreditável derrapagem dos custos com obras no hospital militar, depois as ministras da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade. À partida, a decisão de Rui Rio e da sua equipa faz sentido. Os casos são graves, há questões que requerem esclarecimento e uma das responsabilidades maiores dos partidos da oposição é escrutinarem as acções (ou omissões) do Governo. Mas esta súbita pressa em convocar ministro atrás de ministro para prestarem esclarecimentos e darem justificações não pode deixar de convocar o triste papel do PSD no fim dos debates quinzenais. Parece que o partido ficou com complexos de culpa e tenta com esta estratégia apagar o custo de uma decisão que o Presidente da República considerou, de forma indirecta, que iria “desajudar” o fortalecimento da democracia.

Chamar extraordinariamente um ministro em função dos assuntos de momento não é a mesma coisa que um debate ordinário e institucionalizado semana sim, semana não, sejamos claros. Numa audição parlamentar a um ministro, há mais tempo e oportunidade para escalpelizar os assuntos, procurar causas, discutir consequências e determinar de forma mais assertiva responsabilidades políticas. Mas se uma iniciativa desta natureza pode expor as fragilidades de um ministro, o alcance do escrutínio começa sempre e quase sempre acaba na sua personalidade e nas suas decisões. Penalizando politicamente o ministro, a audição parlamentar transforma-o numa barreira de protecção do primeiro-ministro. Trocar a multiplicação de debates com o Governo por audições em série a ministros é por isso um favor do PSD ao primeiro-ministro.

  De resto, se o primeiro-ministro tem de “trabalhar”, como afirmou Rui Rio para justificar o fim dos debates quinzenais, os ministros também têm. Se nos debates quinzenais havia “incidentes” que “desgastam a imagem da Assembleia da República”, nas audições parlamentares o que não faltam são incidentes – normais, de resto, num debate democrático. Entre o PSD que se desdobra em pedidos de explicações a membros do Governo e o mesmo o PSD que altera um regimento da Assembleia que lhe dava o poder de escrutinar de 15 em 15 dias todo o executivo há uma óbvia falta de ligação. O que terá mudado? Talvez uma corrida atrás do prejuízo causado com as infelizes declarações sobre o Chega ou as próprias críticas internas à aprovação dos debates quinzenais. Porque, de facto, custa a entender como é que o PSD assertivo e raçudo que veio de férias pôde abdicar do grande palco para se afirmar e para expor os males dos seus adversários.

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