Justiça climática e justiça social

Pobres, negros, ribeirinhos, indígenas são os que hoje já enfrentam o peso dessa chamada emergência climática. Combater as alterações climáticas passa, portanto, pela luta pelos direitos indígenas, pela luta em defesa das comunidades ribeirinhas e, naturalmente, pela luta anti-racista.

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Nuno Ferreira Santos

A expressão “emergência climática” tornou-se comum nos noticiários de todo o mundo. Foi a palavra do ano de 2019 segundo o dicionário de Oxford e descreve um estado do nosso planeta onde as consequências nocivas da alteração climática tornam a vida humana cada vez mais difícil. 

Ao longo desses dois anos outra expressão que começou a aparecer cada vez mais foi a chamada “justiça climática”. O conceito de justiça parece ter vindo para reforçar e solidificar a causa climática, para que seja algo que fique. Mas é difícil definir o que pode significar uma justiça climática. A própria interpretação torna-se complicada — justiça climática é a busca pela defesa dos direitos do clima? A ambiguidade da expressão confunde-se com a confusão interpretativa que causa em um primeiro olhar. 

O mundo observa cada vez mais deslocações humanas entre países por conta de problemas ambientais que impossibilitam a vida em uma região — esses são os refugiados climáticos. Secas extremas, incêndios gigantes, tempestades avassaladoras e pandemias são resultados directos ou indirectos da desordem ambiental e climática que a humanidade vivencia hoje. Esses problemas não afectarão pessoas daqui a 100 ou 200 anos, afectam hoje. A emergência climática não é algo para se evitar no futuro, mas sim para se combater no presente.

Desde submersões de comunidades ribeirinhas em ilhas asiáticas até secas extremas do nordeste brasileiro, a emergência climática faz de populações mais vulneráveis suas vítimas. A desigualdade social amplifica esses efeitos, na medida em que age invisibilizando o problema dessas pessoas. Embora muito referidos, por exemplo, os refugiados climáticos nem sequer são considerados no direito internacional — ainda que sejam previstos 200 milhões de refugiados climáticos já para 2050.

Felizmente, os agentes de mobilização que encheram as ruas nas chamadas greves pelo clima entendem a conexão directa entre a emergência climática e o sofrimento de segmentos mais vulneráveis da sociedade. A justiça climática, que pode ser entendida como a busca pela garantia de um futuro digno para a humanidade, agora vê sua interpretação alargada para o combate aos efeitos nocivos da degradação ambiental que atinge hoje milhões de pessoas ao redor do mundo. 

O exemplo mais prático dessa mudança é a evolução da própria narrativa de Greta Thunberg e do Fridays for Future, hoje vistos como rostos do movimento climático. De uma abstracção sobre a destruição do futuro dessa e das próximas gerações, a activista vem agora focando-se em denúncias mais directas sobre um presente escondido. E passando para acção, tem promovido até financeiramente projectos que impactam positivamente de forma concreta comunidades mais afectadas.

Essa mudança promove uma virada na narrativa global sobre a emergência climática e provoca uma verdadeira “deselitização” do tema. Afinal, do que importaria ao líder indígena que vê o seu povo morrer, seja pela bala do garimpo, seja pelo vírus, ouvir sobre uma crise climática que pode, no futuro, exterminar a humanidade? Mas importa ao líder indígena saber que quem atira no seu povo é o mesmo que polui seu rio, que leva o vírus a sua aldeia e que elimina espécies inteiras do planeta — e então, aí sim, há um real interesse de colaboração e entendimento sobre as várias faces da emergência climática.

Justiça climática é justiça social. Pobres, negros, ribeirinhos, indígenas são os que hoje já enfrentam o peso dessa chamada emergência climática. Combater as alterações climáticas passa, portanto, pela luta pelos direitos indígenas, pela luta em defesa das comunidades ribeirinhas, e, naturalmente, pela luta anti-racista. 

No entanto, o aspecto social da luta contra as alterações climáticas não se resume a grupos socialmente marginalizados do sul global. Pelo contrário, é um aspecto presente sobretudo agora na Europa, que vivencia uma onda massiva de protestos anti-fósseis. Fechadas as centrais, para onde vão os trabalhadores? A luta contra essas estruturas poluentes não se deve configurar numa luta contra empregos. Não basta fechar centrais, é preciso qualificar trabalhadores e gerar os chamados empregos para o clima. Não faz parte da temática ambiental celebrar o encerramento de centrais e ignorar desempregos gerados, como faz um certo ministro. 

A justiça climática é uma expressão ampla e que necessita de um volumoso debate, nas ruas e na academia. Mas, decerto, é uma expressão que surge para ficar, e consolida o que foi já reconhecida como a causa mais nobre dessa geração. O movimento climático não pode ficar alheio à situação social das pessoas, sobretudo dos grupos mais marginalizados. O direito de viver dignamente, com acesso à água, energia, ar limpo é o que busca o activismo climático. Embora pouco definida, é absolutamente certo já dizer que não há justiça climática sem justiça social, e fica cada vez mais claro que também não há justiça social sem justiça climática. 

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