Academia de Verão: “Que nenhuma criança fique limitada pelo seu código postal”

A Academia de Verão da Teach for Portugal decorreu entre 27 de Julho e 14 de Agosto, para preparar os seus novos colaboradores, trabalhando “no terreno” e online com crianças dos dez aos 15 anos.

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Paulo Pimenta

Uma das aulas de Português está montada no refeitório, onde crianças de diversas idades se sentam com as suas máscaras, ora olhando para os cadernos, ora olhando para o quadro. A aula desta quarta-feira é sobre a entrevista, e daí a momentos haverá um convidado especial para ser entrevistado. Os alunos preparam-se, como se estivessem mesmo na escola… em Agosto.

Estas férias, o PÚBLICO foi visitar a Academia de Verão da Teach for Portugal, montada na Escola Básica e Secundária de Canelas, que decorreu entre 27 de Julho e 14 de Agosto. Logo à entrada, decorada com os habituais desenhos de escola, Natali Martins, tutora do projecto, chega a comentar: “Acabei de sair de uma aula muito bonita.” A aula, de Português, focada na “escola ideal”, tema debatido pelos alunos, será aproveitada para a aula de Matemática, onde os alunos farão maquetes 3D dessa “escola”, conta.

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A Academia de Verão, explica a tutora, serve como “incubadora” da segunda edição da Teach for Portugal, uma organização não-governamental que incide sobre a área da educação, propondo transformar os percursos de vida de crianças de meios desfavorecidos. Integrando uma rede de 54 países, a iniciativa funciona através da contratação (depois de uma selecção rigorosa) dos chamados “participantes” (licenciados de idades compreendidas entre os 21 e os 47 anos) que colaboram durante dois anos com os professores de escolas que servem comunidades vulneráveis. Estes “participantes” começam o seu trabalho no Instituto de Verão, onde passam por duas semanas intensivas de trabalho, com leituras e formações sobre a educação, seguidas de duas semanas de formação online (que surgiram em consequência da covid-19), três semanas já a trabalhar no terreno, com 40 crianças, e online, dando aulas de Português, Matemática e Inglês, aos alunos de idades compreendidas entre os dez e os 15 anos. 

A partir de Setembro, serão 17 os participantes que vêm da chamada “primeira geração” e 21 os que começam este ano, colaborando nas salas de aula de potencialmente 15 a 16 escolas. “Não sendo professores, os participantes focam-se noutras competências, como a gestão emocional, a auto-regulação”, esclarece Natali Martins. Durante estas três semanas da Academia, formam-se “bons aliados para a sala de aula”, passa-se “a maior panóplia de recursos, de mecanismos para que os participantes possam chegar aos alunos e colocá-los num patamar que lhes permita ultrapassar as dificuldades do contexto”, explicita a tutora.

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Já Filipa Cunha, gestora de comunicação, esclarece que a missão da Teach for Portugal é “combater a desigualdade de forma prática”, não deixando que “nenhum aluno fique para trás”, o que foi fundamental “durante o confinamento”, numa lógica de que “nenhuma criança fique limitada pelo seu código postal”. Quanto à Academia de Verão, Filipa Cunha elucida: “Estas duas semanas são um teste, é um trabalho de comunidade e de recuperação de aprendizagens.”

Ir à escola é “aborrecido"

Teresa Soares também regressa de uma aula. A jovem licenciada em Engenharia Mecânica faz parte da primeira geração de participantes que colaborou na escola de Canelas durante este ano lectivo. “A minha paixão é a área social, em específico com crianças”, observa Teresa. “Trabalhei com crianças que não gostavam da escola e perguntava-me: ‘como é que é tão bom aprender se ir para a escola é tão aborrecido?’”. Na sua óptica, a Teach for Portugal é uma “oportunidade única” ao “promover a equidade social”.

Durante o ano lectivo, Teresa organizou diferentes actividades com os seus alunos como o grupo “SuperMathsKids”, uma tentativa de combater a falta de interesse pela Matemática dos alunos que não têm possibilidade de ter explicações. “Trabalhávamos os conteúdos da Matemática e os valores aliados aos super-heróis: a ambição, o empenho, a entreajuda, o respeito e a autonomia”, relata Teresa. Para além disso, se não tivesse sido pela pandemia, a escola de Canelas teria tido o seu próprio “Canela’s Got Talent”, de forma a “potenciar-se o sentido de comunidade”.

Artur Vieira, director do agrupamento de Canelas, reflecte sobre a intervenção da Teach for Portugal na sua escola: “Para mim, foi uma mais-valia, pela forma de estar, pela pró-actividade”, tendo facilitado, durante o confinamento, “a aquisição de equipamento informático”. “O trabalho das participantes tem sido altamente dignificado pelos professores, imprimem aqui um carácter social bastante significativo em relação aos alunos, principalmente aos alunos que estão mais desviados em termos educativos”, resume.

Da esquerda para a direita: Maria Azevedo, Artur Vieira, Teresa Soares, Natali Martins, Filipa Cunha Paulo Pimenta
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Da esquerda para a direita: Maria Azevedo, Artur Vieira, Teresa Soares, Natali Martins, Filipa Cunha Paulo Pimenta

Porém, não são só os alunos que saem “a ganhar” com esta experiência. “Estes dois anos também têm este objectivo pessoal de carreira para os colaboradores”, especifica Filipa Cunha. “A ideia é que os colaboradores façam uma descoberta interna, que fiquem com este bichinho de combater a injustiça social”, adianta. Patrícia Galeão, licenciada em Serviço Social, faz parte da nova geração de colaboradores, e está entusiasmada, se bem que um pouco nervosa, quanto ao início do ano lectivo. Contudo, o facto de “ter tido formações intensivas” e de estar a “pôr em prática, durante três semanas” o que lhe “foi ensinado”, deixa-a “mais segura”.

Já Beatriz Duro, de 13 anos, que frequenta a Academia de Verão, conta que, em Setembro, irá “com outra vontade para a escola”, acrescentando que tem realizado “actividades diferentes”. Nas aulas de Matemática, já cozinhou um bolo de caneca para “trabalhar as conversões” e, em Português, participou num jogo em roda sobre uma fábula, em que teve de partilhar com os colegas os seus “sentimentos e experiências de vida”.

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Beatriz Duro. Paulo Pimenta

Maria Azevedo, co-fundadora do projecto em Portugal, sintetiza-o em poucas palavras: “É muito mais do que tínhamos sonhado, é um sonho tornado realidade mas com muito mais valor.” No próximo ano lectivo, a Teach for Portugal, que chegou a 1700 crianças de sete cidades, vai alargar o seu universo, alcançando 2100 alunos. 

Texto editado por Bárbara Wong

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