Novos casos de covid-19 aumentaram esta semana em Portugal. “Não se pode baixar a guarda”

Taxa de incidência voltou a aumentar depois de uma diminuição constante de 24 dias. Médicos de Saúde Pública dizem que é preciso continuar a trabalhar para atingir números mais baixos e sugerem que se aprenda com o que tem acontecido noutros países europeus.

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A 9 de Agosto, o número de contágios por cem mil habitantes desceu para 24,4. Até esta sexta-feira, subiu para 26,4 FABRIZIO BENSCH/REUTERS

Depois de 23 dias consecutivos a registar uma diminuição no número de novos casos de covid-19 por cem mil habitantes (taxa de incidência), Portugal voltou a ver um aumento deste indicador nos últimos dias. Esta sexta-feira, o número de novas infecções por cem mil habitantes ascendeu a 26,4, segundo os cálculos do PÚBLICO com base nos dados do Centro de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, sigla em inglês), que determina a incidência tendo em conta os números diários dos 14 dias anteriores.

A 7 de Agosto, o número de contágios por cem mil habitantes desceu para 25,9. O PÚBLICO escreveu que Portugal contrariava a tendência de crescimento verificada noutros países, mas a redução da taxa de incidência continuou apenas até 9 de Agosto, quando desceu para 24,4. Desde então, aumentou todos os dias, voltando a afastar Portugal do tecto máximo para a taxa de incidência de 20 novos casos por 100 mil habitantes que alguns países definiram para permitir a entrada de turistas sem medidas de restrição (como as quarentenas no regresso a casa).

Para o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), Ricardo Mexia, o aumento recente do número de casos deve ser encarado “com alguma preocupação”, não tanto pelos efeitos imediatos que pode ter na situação em Portugal, mas sim por ser “mais um indicador de que não se pode baixar a guarda”.

“Espero que não tenha sido isso que aconteceu, mas, quando começamos a passar a mensagem de que as coisas estão a correr bem, o resultado não pode ser relaxar as medidas. Tem de ser manter aquilo que se está a fazer para que continuemos a alcançar bons resultados”, explica.

O presidente da ANMSP reforça a importância em “empurrar os números para valores mais baixos” para garantir que, quando chegarem alturas potencialmente mais críticas no combate à pandemia (nomeadamente, o fim das férias nas empresas, o regresso às aulas e a chegada do Inverno), haja maior capacidade de resposta.

Já o infecciologista António Silva Graça entende que é preciso estar atento ao comportamento da “dinâmica” da curva de evolução, mas que não há ainda “motivos para clara preocupação”.

“Há um aumento, mas percebemos que, nos primeiros dias da semana, não havia um aumento expressivo, depois houve e hoje houve uma ligeira descida”, justifica ao PÚBLICO. Essa variação acaba por ser inevitável, mas a que se tem verificado em Portugal, para já, não é problemática, com “algumas oscilações num nível controlado, mais do que estava antigamente”.

A opinião do infecciologista está em linha com as declarações da ministra da Saúde, que esta sexta-feira disse, na conferência de imprensa da Direcção-Geral da Saúde sobre a situação pandémica, que Portugal vive uma “situação de estabilidade”. “Há mais momento de convívio e portanto infelizmente há mais risco, portanto há surtos aos quais não conseguimos obviar completamente e, portanto, há novos casos”, disse Marta Temido.

Surtos têm maior peso, mas transmissão comunitária deve ser vigiada

Na segunda-feira, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, deu conta de 72 estruturas residenciais para idosos (ERPI) com casos activos de covid-19, com algumas situações que foram tendo desenvolvimentos durante a semana.

Em Torres Vedras, o número de casos confirmados no Lar de Nossa Senhora da Luz subiu na quinta-feira para 86, e esta sexta-feira a Câmara de Sintra deu conta de um surto no lar da Associação de Solidariedade e Apoio Social do Pessoal da TAP, com 43 utentes e 12 funcionários infectados.

Fora dos lares, continuam também a ser detectados novos casos num foco de infecção em Vila do Conde, que Marta Temido disse na quarta-feira localizar-se “numa área geográfica relativamente circunscrita” e a ser acompanhado “com bastante cuidado”.

Para António Silva Graça, estes surtos “têm uma expressão numérica maior” por haver sempre uma investigação epidemiológica que permite detectar cadeias de transmissão. No entanto, a “dinâmica e as oscilações” verificadas não se devem inteiramente a essas situações, pelo que é necessário prestar atenção à transmissão comunitária, que nem sempre é detectada e pode acarretar riscos.

“Parte dos casos identificados resultam dos surtos”, observou. “A transmissão comunitária, nomeadamente a nível intrafamiliar, está a ocorrer sem estar a ser devidamente identificada.”

Ricardo Mexia considera que é “importante ter dados concretos sobre quantos casos correspondem a situações inseridas em surtos e quantos correspondem a transmissão comunitária”, conseguindo assim avaliar a importância de cada um.

O médico reconhece que os surtos, “em particular em contextos mais difíceis, como é o caso dos lares”, geram normalmente um número “relevante” de novos casos que podem “fazer alguma diferença”. Ainda assim, lembra que estes focos de infecção “não são uma realidade nova”. “Já tínhamos, em momentos anteriores, surtos que geraram números importantes de casos”, recorda o presidente da ANMSP.

Para minimizar ao máximo as oscilações do número de casos e a transmissão, tanto em surtos como comunitária, a receita é já conhecida: respeitar as medidas de distanciamento e as normas de higiene e segurança em vigor. “A doença transmite-se entre pessoas e é nesse sentido que se tem de intervir. Depende muito dos nossos comportamentos, das situações de risco em que nos colocamos. Temos de tentar encontrar soluções para minimizar esses riscos. Numa altura em que temos menos transmissão, isso acaba por ser mais fácil. Quando temos uma situação mais disseminada, torna-se mais complexa, mas a abordagem não é muito diferente”, explica.

Ricardo Mexia aconselha ainda a que se olhe para outros países europeus que já têm enfrentado ondas mais significativas de novos casos, como Espanha ou França. Sublinhando que a pandemia “não anda à mesma velocidade em todo o lado” nem tem o mesmo comportamento em todos os países, o médico diz que é preciso estar atento ao que se passa lá fora para que Portugal possa “antecipar a resposta”. Até porque, com as fronteiras novamente abertas e a retoma das ligações aéreas, podem registar-se mais casos importados.

“O que acontece nos outros países também tem alguma influência no que acontece em território nacional”, diz.

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