Dia 92: Chorar alivia

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Mãe,

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Hoje de manhã eu e os miúdos cruzámo-nos com uma vizinha velhinha com quem falamos sempre. Normalmente a resposta ao “Então, como é que está?” é muito bem-disposta, mas, desta vez, começou a falar de uma tragédia do passado e desatou a chorar. Parámos o carro para a ouvir sem a interromper. Quando seguimos viagem, uma das minhas filhas disse-me: “Mãe, faz-me tanta impressão ver uma pessoa a chorar.” Falámos imenso sobre como ninguém gosta de ver as outras pessoas a chorar, mas como mandar alguém deixar de o fazer é horrível. E uma delas queixou-se: “Mas isso é o que os crescidos nos dizem sempre: ‘Pára de chorar e põe um sorriso que isso passa.’ Mas não passa! Fico triste na mesma, mas a fingir que estou a sorrir.”

É tão verdade. Tantas e tantas vezes pedimos às crianças para “parar com isso, já!”. Mesmo que não seja num tom brusco, mesmo quando é um mais simpático “pronto, pronto já passou”. Pode parecer inofensivo, porque é tão comum, mas, bem vistas as coisas, o facto de ser banal só o torna mais grave. Não é preciso muita ciência para percebermos o alívio que chorar nos provoca, e como esse alívio acontece com todos os tipos de choro, sejam de dor, raiva ou tristeza. Chorar lava-nos, literalmente, a alma. E faz bem a tudo. Segundo um artigo da Medical News Today sobre os nove benefícios de chorar, o choro é uma ferramenta de auto-regulação, que tem por objectivo ajudar-nos a acalmar. Além de que cumpre um benefício social, já que é uma forma de pedir apoio às pessoas à nossa volta.

Chorar liberta ocitocina e endorfinas que aliviam a dor física e emocional. Tem o poder de nos deixar mais leves. Não é espectacular pensar que as próprias lágrimas contêm hormonas de stress e outros químicos tóxicos que assim que saem deixam-nos mais calmos? Mas mesmo que fosse só para “lavar” os olhos, chegava: as lágrimas lubrificam e até produzem um líquido que mata bactérias.

Sabendo tudo isto, tendo consciência de que as lágrimas vão aliviar, talvez nos custe menos deixar que alguém chore à nossa frente – ou seja, mãe, está autorizada a chorar à minha frente sempre que lhe apetecer, desde que me responda à pergunta: porque é que, principalmente com as crianças, procuramos eliminar a tristeza e a raiva do leque de emoções permitidas?

Beijinhos


Querida Ana,

Compro a tua proposta, mas não sei se a resposta que tenho para te dar vale a oferta que me fazes de me deixares chorar à tua frente. Desconfio que não, porque o valor do prémio é demasiado alto: conseguirmos acolher as lágrimas dos outros sem as despachar, deixando-nos emocionar por elas, mas sem que essa perturbação seja tão forte que nos leve a querer estancá-las, é obra para um Jedi da A Guerra das Estrelas. Pensando bem, provavelmente já estás nesse nível!

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Mas vou tentar a sorte. Aqui vai: o choro faz parte do nosso equipamento de base e cumpre a função de criar empatia e solicitar protecção e apoio, ou seja, para cumprir o seu objectivo, tem necessariamente de nos perturbar e de nos fazer agir para procurar resolver a causa. Por isso tentamos consolar, dar colo, afugentar o susto, oferecer conselhos. Mais ainda se é uma criança ou alguém mais frágil que estamos programados para defender. E isso diz muito da nossa humanidade. Por isso, mesmo quando acudimos com um “Isso passa”, é o que naquele momento conseguimos oferecer. Não eras tu que há umas cartas atrás dizias que o “Isso passa” era tudo o que querias que te dissesse? Por isso temos de ensinar às pequeninas que mesmo essas frases atabalhoadas merecem a nossa gratidão. São um penso rápido – o que não significa que não possamos aprender a fazer melhor, a sintonizarmo-nos com o outro e a perceber o que realmente precisa de nós: talvez seja “apenas” acolhermos as suas lágrimas e escutarmos a sua história. O que talvez fosse mais fácil se o tsunami das emoções alheias não acordasse dentro de nós aquelas que temos procurado manter disciplinadamente sob controlo. Quando é assim, o “Isso passa” pode ser um “toca e foge” de quem tem medo de se partir ali mesmo em mil bocados. É dito mais para quem o profere do que para quem se tem à frente.

Às vezes essa emoção descontrolada mete medo e as pessoas assustadas são brutas, mais brutas até do que desejavam. Impotentes, perante a tristeza guardada dentro de si e perante aquela que não conseguem estancar nos outros, zangam-se. E, gritando, espantam o susto, ou pelo menos têm esperanças de que sim.

E ainda nem cheguei às lágrimas de raiva. Se a raiva for contra nós, desconfio que as lágrimas são impossíveis de suportar, de tal forma são vividas como uma ratoeira: por um lado, as lágrimas suscitam-nos compaixão, deixam-nos mais frágeis, mas, por outro, a agressividade nelas contida incita-nos ao contra-ataque, a responder na mesma moeda. E sai qualquer coisa como: “Se não paras, bato-te, e então, sim, vais ter uma razão para chorar.”

Decididamente as minhas favoritas são as lágrimas de alegria. Já reparaste que são as mais difíceis de explicar a uma criança? Hoje em dia choro mais nas chegadas do que nas partidas, e nos filmes comovo-me muito mais com a bondade do que com a crueldade e a violência. Deve ser da idade.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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