Uma lição de democracia do Presidente aos deputados

Quando, como nota o Presidente, uma assembleia nacional se entretém no seu próprio “fechamento”, deprecia o seu valor e dá argumentos às teses anti-sistema que se esforçam por lhe colar uma imagem de irrelevância e inutilidade.

Depois de vetar a redução do número de debates sobre assuntos europeus na Assembleia da República, o Presidente da República decidiu vetar também as alterações propostas ao direito de petição dos cidadãos que passava a exigir um mínimo de dez mil assinaturas em vez das actuais quatro mil. Tão ou mais significativo como o veto em si são as razões que o Presidente invoca para o aplicar: um “imperativo de consciência cívica”.

Com apenas quatro palavras, Marcelo dá uma lição de ética democrática aos deputados e põe em causa o caminho que estão a trilhar neste momento em que o país enfrenta “fenómenos inorgânicos sociais e políticos de tropismo anti-sistémico”. Ou, por outras palavras, o Presidente usa a sua autoridade para acusar a Assembleia de se demitir de uma das mais nobres das suas funções: estar próxima da sua fonte de soberania, os cidadãos que representa.

Com dois vetos consecutivos, Marcelo Rebelo de Sousa expõe aos olhos de todos os riscos da clausura a que os deputados se estão a votar. Se na redução dos debates quinzenais o Presidente não podia nem devia dizer o que quer que fosse, agora que teve de se pronunciar sobre duas alterações legislativas ele abriu o livro e deixou claro que o caminho seguido pelo Parlamento é errado, perigoso e atentatório da consciência cívica da democracia.

Reduzindo os debates sobre os temas europeus, os deputados desvalorizam a sua importância e, acto contínuo, reduzem o próprio “papel da Assembleia perante eles”. Dificultando o direito de petição, os deputados “revelam desconforto sobre a participação dos cidadãos” e acabam por “desajudar” o fortalecimento da democracia.

Expondo assim de forma tão crua as opções políticas de uma assembleia sujeita aos ditames dos directórios partidários, o Presidente deixa no ar o aviso sobre os custos de uma renúncia dos deputados ao seu papel de representação. Desistindo de debater ou de escutar os cidadãos através de petições, os eleitos pela nação arriscam-se a criar um hemiciclo de funcionários públicos acéfalos e acríticos, meras antenas do que determina o Governo os ou líderes da oposição.

Quando, como nota o Presidente, uma assembleia nacional se entretém no seu próprio “fechamento”, deprecia o seu valor e dá argumentos às teses anti-sistema que se esforçam por lhe colar uma imagem de irrelevância e inutilidade. Para lá de serem uma lúcida apologia dos valores democráticos, os vetos do Presidente são igualmente uma séria censura aos deputados que, aprovando as leis em causa, não sabem merecer o nobre papel que lhes cabe representar. 

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