Máscara na rua – sua constitucionalidade (e bom senso)

Nada há de inconveniente no plano prático ou inconstitucional no plano legal, desde que a obrigatoriedade do uso de máscara na via pública seja consagrada num diploma legal a emanar da autoridade competente.

Com referência à pandemia que tanto nos aflige, alguns entendidos na matéria auguram uma 2.ª vaga para o Outono. Embora seja discutível que um vírus (gerador de uma pandemia) se desdobre em vagas, a verdade é que, a confirmar-se este postulado, esta vaga já existe pelo menos numa fase incipiente, fruto de uma dupla ação conjugada: a ligeireza com que o levantamento das restrições tem vindo a ser entendida por alguns cidadãos; e na pressa ou no descuido com que essas mesmas restrições foram retiradas. A estas, poderíamos acrescentar uma 3.ª: o receio para implementar medidas que marcadamente previnem a propagação do vírus – o uso da máscara. Nesta última questão, e provavelmente prevendo o perigo latente, países como a República Checa, Eslováquia, Áustria, Noruega, Dinamarca, França e regiões de Catalunha, Galiza, Múrcia e, entre nós, a Região Autónoma de Madeira, estão a adotar este uso como forma de prevenir os perigos desta 2.ª vaga.

Ao longo de todo o tempo que o flagelo da covid-19 tem vindo a durar, sempre se compreendeu o objetivo do executivo na busca de medidas visando alcançar o equilíbrio, quiçá instável, entre a o efeito devastador da pandemia e a necessidade de assegurar uma produtividade económica sustentável do país, de modo a evitar desequilíbrios e assegurar uma normalidade da vivência social. Há que admitir que, neste aspeto e numa primeira fase, aparte alguns desconcertos aqui e além, designadamente ao nível empresarial e laboral, o esforço governamental foi reconfortante.

Porém, os recentes acontecimentos, nomeadamente o surto epidémico na Região de Lisboa e Sul do Tejo, o surgimento de focos em algumas unidades industriais e o descalabro de tráfego turístico nacional, vieram demonstrar que nem tudo corria “sobre rodas” no que diz respeito a medidas preventivas pandémicas. Se a isso acrescentarmos a continuada falta de fiscalização nos transportes públicos, a endémica hesitação em adotar medidas profiláticas preventivas, o regresso de férias, um certo descontrolo nas entradas fronteiriças, a retoma de trabalho, o incremento de movimentação no espaço público e o recomeço de aulas, é inevitavelmente de se augurar uma retoma – dita de 2.ª vaga – bem pior que a fase inicial.

E aqui surge a magna questão que constitui o título deste escrito: o uso da máscara na via pública. Neste ponto, diga-se de passagem que, presentemente, os locais relativamente seguros de não transmissão são precisamente os recintos fechados com o mínimo de ventilação, como os centros comerciais, onde medidas de uso obrigatório de máscara se tornaram obrigatórias. Está demonstrado que entre dois interlocutores o risco de transmissão é tendencialmente:  a) ambos (ativos) sem máscara – 90%; b) sem máscara (ativo) com máscara (passivo) – 30%; c) com máscara (ativo) sem mascara (passivo) 5%; d) com máscara (ativo) com máscara (passivo) – 1,5% e e) ambos (ativos) com máscara e distanciamento físico 0%). Mesmo que as percentagens sejam fluidas, a verdade que ressalta é que o uso de máscara alivia e diminui em grande medida o risco de contágio. É desnecessário estar aqui a realçar a vantagem deste uso particularmente em artérias de grande movimento com as baixas lisboeta, portuense e de outras cidades.

Quanto à adoção desta medida, e com o devido respeito por opinião contrária, nada há de inconveniente no plano prático ou inconstitucional no plano legal, desde que a obrigatoriedade do seu uso na via pública seja consagrada num diploma legal a emanar da autoridade competente. Senão vejamos: não está demonstrado que o uso de máscara na via pública cause mais inconveniente que num supermercado. Sucede que no plano da Constituição, embora não haja uma taxativa enumeração que priorize os direitos aí consagrados, a verdade é que a vida, a integridade pessoal e a saúde figuram como os valores nevrálgicos do ser humano (artigos 224.º, 25 e 64.º). Ora, a covid-19 faz correr o traiçoeiro perigo da morte e de outros efeitos colaterais. A Lei n.º 95/2019, de 04.09, e 81/2009, de 21.08. – Lei de Bases da Saúde é suficientemente clara e exaustiva nesta matéria.

A máscara pode causar um ligeiro transtorno na respiração, mas nunca atenta contra a liberdade do cidadão e é reveladora do respeito devido ao transeunte “mascarado” com que se cruza na rua.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção