Polícias e militares têm disparado contra multidões desarmadas no Líbano, denuncia a Amnistia

A organização defensora dos direitos humanos entrevistou vítimas, testemunhas oculares e médicos e analisou vídeos que “mostram que houve um uso punitivo da força de atirar para ferir”.

Presidente e Governo libaneses já tinham sido avisados sobre nitrato de amónio Reuters, PÚBLICO

Polícias e militares têm disparado balas de borracha, gás lacrimogéneo e outras munições contra multidões desarmadas nos protestos contra o regime libanês, denuncia a Amnistia Internacional. Há também homens não identificados a atacar os manifestantes que têm saído à rua, na sequência da enorme explosão no porto de Beirute, capital do Líbano. 

“As forças de segurança libanesa causaram vários ferimentos graves e minaram ainda mais a confiança de uma população que já luta com múltiplas crises. Todos os responsáveis por esta conduta violenta revoltante devem ser minuciosamente investigados e responsabilizados pelas suas acções criminosas”, disse em comunicado a directora da investigação para o Médio Oriente da Amnistia Internacional, Lynn Maalouf. 

A Amnistia diz ter recolhido, ao longo da investigação, vários depoimentos de vítimas, testemunhas oculares e médicos, além de ter analisado vídeos onde diz que se vêem as autoridades a usarem a força de forma “imprudente e ilegal”. Os vídeos, continua, “mostram que houve um uso punitivo da força de atirar para ferir, indicando que as autoridades pretendiam punir os manifestantes e dissuadir outros de protestar”.

“De acordo com vários testemunhos, alguns dos disparos foram realizados a curta distância e ao nível do peito. Houve vítimas que deram entrada nas unidades de saúde com ferimentos na cara e lesões oculares”, continua a organização defensora dos direitos humanos.

Há mais de um ano que o Líbano enfrenta uma profunda crise económico-social, com muitos libaneses a não terem dinheiro para os bens mais básicos, e o descrédito e críticas ao Governo eram uma constante nos protestos que há meses se prolongavam.

A grande maioria da população responsabiliza a elite política do país pela situação que vivem. A explosão da semana passada, no porto de Beirute – cidade em tempos apelidada de “Paris do Médio Oriente” –​ que abriu uma cratera de 43 metros de profundidade, foi o gatilho para uma nova e reforçada vaga de protestos

A explosão causou pelo menos 163 mortos, mais de seis mil feridos, cerca de 300 mil desalojados e uma grande destruição na zona próxima do porto, com as autoridades libanesas a calcularem os prejuízos entre os 8 e os 13 mil milhões de dólares. Em contexto de pandemia, houve hospitais com alas destruídas, dificultando a sua resposta no combate à covid-19. 

O Governo libanês admitiu que as 2.750 toneladas de nitrato de amónio, fertilizante também usado para explosivos, se encontravam há mais de seis anos no porto da capital, sem que nada tivesse feito para o retirar do armazém. E, soube-se agora, que o Presidente Michel Aoun foi mesmo avisado duas semanas antes da explosão por um relatório da Direcção-Geral de Segurança, sobre os riscos que o fertilizante representava, contradizendo as palavras do chefe de Estado logo após explosão.

“Não sei onde o material foi guardado e não sabia que era tão perigoso”, disse Aoun, citado pela Reuters, desresponsabilizando-se de seguida: “Não tenho autoridade para lidar directamente com o porto. Há uma hierarquia e todos os que tinham conhecimento deveriam saber as suas obrigações e fazer o que tinha de ser feito”.

A explosão foi a gota de água para muitos libaneses e a imagem mais clara da incompetência da elite governante. O primeiro-ministro libanês, Hassan Diab, apresentou a demissão depois de milhares de pessoas terem saído às ruas, mas acabou por culpar a “corrupção” e a apresentar o seu Governo como aquele que tentou lutar contra o sistema político que levou ao desastre. 

Não foi, de longe, o suficiente para acalmar os ânimos das multidões e a polícia continuou a responder aos protestos com repressão. E quem sai à rua para protestar continua sem dar sinais de desarmar, por maior que seja a repressão. 

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