Juíza manda escorar tectos de casa de Arte Nova no Porto. Mas parte já ruiu

Construção de empreendimento estará a danificar edifício classificado pela Câmara do Porto. Providência cautelar não parou a obra, mas impôs uma intervenção. Menos de 24 horas depois, parte de um tecto caiu. Perigo de ruína é iminente, avisa engenheiro

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A casa tem elementos decorativos muito relevantes, segundo o historiador Francisco Queiroz Paulo Pimenta

Quando em Fevereiro deste ano a família Rolo interpôs uma providência cautelar à construção de um moderno empreendimento ao lado da sua casa, um imóvel de Arte Nova com classificação municipal na Avenida Brasil, no Porto, o objectivo era travar a empreitada de luxo, e sobretudo o avanço das ancoragens que, alegavam, poriam em risco a casa construída no início do século XX. Mas a pandemia de covid-19 veio virar do avesso os planos da família: os tribunais foram adiando sessões, o progenitor foi apanhado pelo vírus e acabou por falecer e os herdeiros tiveram de vencer burocracias até poderem assumir a batalha perante a justiça.

A audiência dessa providência cautelar aconteceu finalmente esta sexta-feira, dia 7 de Agosto. Depois de uma visita ao local, a juíza responsável pelo caso ordenou que fossem escorados os tectos da casa, protegendo assim a integridade física das duas mulheres com mais de 80 anos que ali habitam. Menos de 24 horas depois, no entanto, mais um pedaço de estuque caiu de um dos tectos. A família insiste na urgência de uma outra solução e na responsabilização dos promotores da obra, contra quem intentaram também uma queixa-crime. Mas a imobiliária Kendall & Associados - que continua em silêncio apesar da insistência do PÚBLICO para obter uma reacção - já promove o empreendimento que terá “o melhor apartamento do Porto”. E as obras continuam.

Paulo Pimenta
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O caso começou há mais de um ano. Com as demolições das antigas moradias adjacentes à casa secular a acontecer, a família Rolo perceberia que o projecto futuro implicava ancoragens com perfis metálicos no subsolo por baixo do seu lar. “Dissemos imediatamente que não autorizávamos”, recorda Agenor Rolo, um dos filhos do progenitor, Agenor Ranhada Rolo, falecido em Maio. Em causa, alegavam, estava o uso de uma técnica desaconselhada quando estão em causa construções em alvenaria de granito e em solos com alguma instabilidade. Isso mesmo sustentaria um parecer técnico assinado, ainda em Outubro de 2019, pelo catedrático da Universidade de Aveiro Aníbal Costa, especialista na área Conservação e Reabilitação das Estruturas. Dois meses depois, no entanto, as ancoragens eram lançadas, relata Agenor Rolo. E, como previam, “a casa foi ficando cada vez pior.”

No edifício construído entre 1911 e 1913 por um dos mais conhecidos construtores da altura na cidade, Manuel Ferreira da Silva Janeira, os danos são visíveis. As cantarias da fachada já foram afectadas e, no interior, as fissuras e quedas de estuque põem em risco os tectos construídos pela Oficina Baganha, com trabalhos em edifícios como o Teatro Nacional de São João, a estação de São Bento e o Café Majestic. É uma relevante questão histórica e patrimonial, diz Agenor Rolo apoiando-se num outro parecer escrito pelo historiador de arte Francisco Queiroz. Mas, neste momento, é sobretudo um problema de segurança.

Este sábado, o pedaço de estuque caído do tecto caiu no chão da casa. Mas podia ter sido diferente: “A minha mãe tinha passado no corredor minutos antes. Na manhã anterior, a juíza esteve precisamente nesse sítio a ver os tectos.” A família fala numa “brincadeira com a sorte” e teme que a mãe ou a tia, com 85 e 92 anos, possam não ser bafejadas por ela um destes dias. No local, para registar a ocorrência, estiveram a Polícia Municipal e, a pedido desta, a Polícia de Segurança Pública.

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DR/Família Rolo
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DR/Família Rolo

Hélder Ramos, o engenheiro que tem apoiado a família Rolo no caso, esteve em tribunal para explicar à juíza a oposição à técnica construtiva conhecida como muros de Berlim e adoptada na construção do empreendimento. E se provas eram precisas sobre as consequências e o “risco iminente” agora existente, elas ficaram dadas neste sábado, defende: “Menos de 24 horas depois de ter estado a falar com a juíza, com outras testemunhas e com os proprietários, dá-se a derrocada de parte do tecto debaixo do qual estivemos. Todos aqueles tectos estão, como temos dito no último ano, em situação perfeitamente instável e em perigo de ruína.”

Enquanto técnico, Hélder Ramos tem defendido que a solução adoptada para a escavação feita pelos promotores do empreendimento de luxo, cuja casa mais cara custará 2,9 milhões de euros, “é uma solução que só lhes interessa a eles”. Porquê? “Era a única maneira de conseguirem a maximização da área da cave. Mas toda a gente sabe que essa solução iria provocar no prédio da família Rolo uma instabilidade nas fundações que levariam à deformação da parede estrutural.”

A decisão do tribunal, de mandar escorar os tectos num prazo de 15 dias, “procura proteger um pouco a integridade das pessoas que vivem lá”, admite Hélder Ramos. Mas tem um senão: “As pessoas vão passar a viver num estaleiro de obra e não sabemos por quanto tempo.” Aquilo que o engenheiro defendia era, por isso, outra solução: “A empresa devia fazer a reparação imediata dos tectos.”

A Câmara do Porto já se demarcou da polémica. Embora a casa seja classificada como imóvel de interesse municipal pelo estilo Arte Nova e até já Art Déco da respectiva fachada, o município entende que este é um desentendimento entre privados no qual não se deve meter. Mas os herdeiros de Agenor Ranhada Rolo não concordam e já apresentaram também uma queixa-crime onde pedem a responsabilização de todos os intervenientes no processo, dos projectistas à dona da obra, passando pela fiscalização e pela própria autarquia, “que tudo autorizou e nada fez para prevenir os danos, apesar de para tal ter sido repetidas vezes alertada.”

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