O Novo Banco e a “campanha” do PÚBLICO

Deixar estas operações quietas com o pretexto de que tudo está nos contratos ou faz parte das boas regras das ligações offshore, seria conveniente para o Novo Banco – ou para o Banco de Portugal e o Governo que lhes deram aval. Mas seria péssimo para o país.

Numa resposta à notícia do PÚBLICO sobre a venda da seguradora GNB Vida por um preço 69% abaixo do seu valor contabilístico, o Novo Banco avisou: “A campanha continuada do PÚBLICO será analisada juridicamente.” Num Estado de direito, é normal que litígios sejam dirimidos em tribunal. O PÚBLICO não tem litígios com o Novo Banco, mas aceita que o seu jornalismo em favor do interesse público possa causar danos reputacionais ou outros que levem os visados das suas notícias a “analisar juridicamente” as suas causas e consequências.

Sendo para nós normal que um banco recorra à Justiça para fazer prevalecer o que julga serem os seus direitos, há uma questão prévia que é importante sublinhar: esse recurso não pode ser pensado como instrumento de pressão contra a liberdade de imprensa constitucionalmente consagrada. Já vimos esse modus operandi nos tempos do BES de Ricardo Salgado ou do BPN de Dias Loureiro. Começa a ser tempo de se aceitar que, numa sociedade aberta, não há vacas sagradas.

Vale a pena deixar algumas notas sobre o que está em causa. Começando por demarcar o que não está: não está em causa a instituição, nem os seus trabalhadores, nem o serviço que presta às famílias ou às empresas. Está em causa, sim, um modelo de gestão que, a coberto das verbas do Fundo de Resolução das quais todos somos avalistas, vendeu milhares de activos a preços de saldo a fundos que tiveram relações com os seus administradores actuais ou muito próximos do seu principal accionista, por vezes com dinheiro emprestado pelo próprio banco.

Nada disto é, pelo que se sabe, ilegal; tudo se inscreve nos procedimentos rotineiros da alta finança; a gestão de António Ramalho tem prazos obrigatórios para se libertar de activos; os negócios que fez foram os possíveis. Sempre demos conta dessas contingências. Mas não abdicámos de mostrar que essas práticas, sendo potencialmente legais, são eticamente questionáveis. E lesivas do interesse dos portugueses. Deixar estas operações quietas com o pretexto de que tudo está nos contratos ou faz parte das boas regras das ligações offshore, seria conveniente para o Novo Banco – ou para o Banco de Portugal e o Governo que lhes deram aval. Mas seria péssimo para o país. Se todos esses negócios ruinosos se fizeram, apesar das notícias incómodas, imaginemos que outros negócios se teriam feito, se os jornalistas abdicassem do seu papel.

Se há algo que o PÚBLICO tem de fazer, é, portanto, escrutinar essas vendas nebulosas e trazê-las ao conhecimento. Se essa forma de estar, vilipendiada como sendo uma “campanha”, levanta dúvidas sobre a sua conformidade com a lei, cá estaremos para as discutir.

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