Iker Casillas, a despedida de uma lenda

O Casillas do FC Porto, o Casillas que tomou a corajosa decisão de se sujar no lamaçal português, mais experiente e talvez por isso também mais errático, já não era o melhor do mundo, já não estava tão em forma como os melhores do mundo, mas nunca nos deixou completamente órfãos dos seus momentos de magia.

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LUSA/MANUEL FERNANDO ARAUJO

Ronnie O´Sullivan, cinco vezes campeão mundial de snooker e, para muitos, o melhor jogador de sempre da modalidade, deu recentemente uma entrevista onde falou da situação actual da sua carreira e da sensação de declínio que aos 44 anos inevitavelmente começa a aparecer. Nessa entrevista, o britânico reconhece que provavelmente já não é o melhor jogador do mundo, que já não se sente tão em forma como os melhores do mundo, mas não deixa também de admitir que leva sempre uma energia e uma atmosfera diferenciadas para cada encontro. Como para bom entendedor meia palavra basta: “Eu acho que há apenas algumas pessoas que são capazes de ter alguns momentos de magia.”

Essas pessoas, caro Ronnie, são as lendas e a partir desta semana as balizas perderam um dos seus maiores e melhores mágicos, o espanhol Iker Casillas.

O seu ingresso no FC Porto, naquela época em que o clube nortenho parecia ter-se tornado num feudo castelhano, representou uma das transferências mais surpreendentes a que me lembro de ter assistido, principalmente pelo abissal défice competitivo e, sobretudo, mediático, que separa os campeonatos português e espanhol. Então o excelentíssimo senhor Casillas, campeão do mundo, duas vezes campeão europeu por “La Roja”, igualmente galardoado com os mais importantes títulos no seu clube de sempre, o Real Madrid, vinha jogar a Tondela, a Paços de Ferreira e a outros batatais enlameados com uma assistência média de quinhentas almas onde bolas e tijolos são tratados com a mesma delicadeza? Não podia ser! Era com certeza mais uma das especulações aberrantes da nada confiável imprensa desportiva.

Mas a verdade é que aconteceu e sem mais nem menos tínhamos no nosso campeonato medíocre, reles e periférico uma das maiores figuras do futebol mundial dos últimos vinte anos. Claro que os tontos do costume e os fanáticos de sempre se apressaram a diminuir o feito com considerações no mínimo deselegantes e no máximo imbecis sobre a idade do guarda-redes espanhol e sobre os fundamentos desportivos quase inexistentes a que se teriam sobreposto razões comerciais e de marketing. Como se fosse impossível conciliar argumentos desportivos e comerciais/marketing ou um jogador, ainda para mais um guarda-redes, acima dos 30 não fosse “contratável”.

Mas mesmo colocando de parte estes “argumentos” facciosos, a verdade é que o Casillas do FC Porto, o Casillas que tomou a corajosa decisão de se sujar no lamaçal português, já estava longe da segurança, do brilho, do requinte que levaram um jovem de 18 anos a assumir a titularidade na exigente aristocracia madridista e a mantê-la durante mais de uma década. Este Casillas, mais experiente e talvez por isso também mais errático, já não era o melhor do mundo, já não estava tão em forma como os melhores do mundo, mas nunca nos deixou completamente órfãos dos seus momentos de magia. Porque é isso que as lendas fazem ao superarem a mundanidade, tornam-se mais exigentes, mais “forretas”, mais selectivas nas demonstrações da sua genialidade. Gracias, Iker!

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