Entre as ruínas e o pó de Beirute pede-se a “queda do regime”

Milhares de libaneses protestam contra a corrupção e exigem à classe política do Líbano que se responsabilize pela explosão que deixou a cidade de joelhos. Primeiro-ministro vai pedir eleições antecipadas. Confrontos fizeram um morto e mais de 100 feridos.

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Raiva, tristeza, dor e cansaço. Demasiado cansaço. Foi esta mistura impulsiva e acumulada de sentimentos que levou milhares de libaneses a emergirem este sábado dos escombros de uma cidade irreconhecível, por causa da destruição causada pela maior explosão não-atómica de que há memória, para gritar ao poder político: “O povo quer a queda do regime”. Em resposta, o primeiro-ministro Hassan Diab foi forçado a admitir que a realização de eleições legislativas antecipadas é a “única saída para a crise”.

Mais de dez mil pessoas encheram as imediações da Praça dos Mártires, em Beirute, capital do Líbano, localizada a menos de dois quilómetros do porto, o epicentro da catástrofe que tirou a vida a pelo menos 158 pessoas, feriu outras seis mil, fez perto de 300 mil desalojados e deixou 60 desaparecidos.

Um acidente chocante que, para os que se juntaram para protestar, entre as pedras, o entulho e o pó, onde dantes havia ruas e casas, é a consequência dolorosa de décadas de corrupção e de governação ineficiente, num país afogado há vários anos numa grave crise financeira, sem fim à vista.

“Não temos nada a perder. Toda a gente tem de sair à rua”, disse à AFP uma activista envolvida no apoio voluntário aos sobreviventes da explosão.

“Não confiamos no nosso Governo. Quem me dera que as Nações Unidas tomassem o controlo do Líbano”, confessou à Reuters uma estudante universitária que também participou nos protestos.

De acordo com os meios de comunicação presentes no local, em Beirute pede-se uma “revolução”, grita-se por “vingança” e encara-se o evento como um verdadeiro “dia do juízo final”.

Forcas nas ruas

Entre os cânticos, os cartazes e as palavras de ordem, rotularam-se os líderes políticos de “assassinos”, comparou-se o cenário de guerra da cidade com o “ground zero” de Nova Iorque, e foram montadas estruturas de madeira que imitavam forcas. “Demitam-se ou serão enforcados”, dizia um cartaz, segundo a Reuters. 

Um grupo de manifestantes conseguiu forçar a entrada nos ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Energia, onde pegaram fogo a retratos do Presidente Michel Aoun. “Viemos para ficar. Convocamos o povo libanês a ocupar todos os ministérios”, pediu um dos revoltosos.

Outros manifestantes envolveram-se em confrontos com a polícia de choque e o Exército fortemente mobilizados para a aquela zona da cidade, quando tentaram romper a barreira erguida numa rua que dá acesso ao Parlamento. Atiraram pedras e outros objectos aos agentes, que responderam com gás lacrimogéneo e balas de borracha. 

Um polícia morreu, revelaram as autoridades. Segundo a Cruz Vermelha, mais de 100 pessoas ficaram feridas e dezenas tiveram de ser transportadas para os hospitais da cidade, já a a abarrotar de vítimas da explosão.

Ano de protestos

Protestar nas ruas tem sido uma prática comum no Líbano nos últimos meses e foi o que levou à queda do então primeiro-ministro, Saad Hariri, em Outubro do ano passado. Também na altura se pediu a “queda do regime”. 

Sem emprego, sem poupanças e sem quais perspectivas de futuro, os libaneses mantiveram a pressão e a agitação social continuou com o sucessor de Hariri, Hassan Diab. A explosão da passada terça-feira parece ter transformado essa agitação num clima de pré-revolução.

A visita do Presidente francês a Beirute deu a entender que, desta vez, as coisas poderiam ser diferentes. Emmanuel Macron foi encurralado por residentes da cidade num bairro próximo do local da explosão, que lhe pediram ajuda para afastar a classe governante.

Macron não se coibiu de denunciar a “responsabilidade histórica” dos políticos libaneses pela crise económica, exigiu “reformas” e garantiu aos manifestantes que o apoio financeiro francês não iria “parar a mãos corruptas”.

Percebendo os sinais vindos das ruas – na quinta-feira já tinha havido protestos e confrontos com as autoridades –, Diab anunciou este sábado que vai reunir o Governo na segunda-feira e pedir apoio para o agendamento de eleições legislativas antecipadas daqui a dois meses.

“Não vamos conseguir sair desta crise estrutural sem a realização de eleições parlamentares antecipadas. É necessária uma nova elite política e um novo Parlamento”, disse o chefe do Governo, numa declaração ao país, numa altura em que os protestos se tornavam violentos.

“Estou disposto a assumir a responsabilidade durante dois meses, até que todas as partes cheguem a um acordo sobre a próxima etapa”, acrescentou.

Horas antes, os três deputados do partido cristão Kataeb tinham apresentado a demissão, entre críticas ao Governo – apoiado pelo Hezbollah – e um desafio ao Parlamento. “Convido todos os honráveis [deputados] a demitirem-se também, para que as pessoas possam decidir quem as vai governar, sem que nada lhes seja imposto”, afirmou o líder do partido, Samy Gemayel.

“Diluir a verdade”

Na sua declaração aos libaneses, Hassan Diab voltou a garantir que os responsáveis pela explosão vão ser encontrados e julgados. A missão está a cargo de uma comissão de inquérito especial e há vinte pessoas em prisão preventiva, incluindo detentores de cargos na administração do porto e nas autoridades alfandegárias.

A tragédia terá tido origem em mais de 2700 toneladas de nitrato de amónio, um material altamente explosivo que estava armazenado há seis anos no porto de Beirute, sem supervisão, depois de um navio de um cidadão russo, que o transportava para Moçambique, ter sido arrestado pelas autoridades portuárias, por falta de fundos.

De França vieram pedidos de uma investigação internacional independente, mas o Presidente do Líbano, Michel Aoun, afastou essa possibilidade. “O objectivo dos pedidos para um inquérito internacional à questão do porto é diluir a verdade”, atirou.

Paralelamente, o Presidente Macron tem encabeçado os esforços internacionais de apoio e solidariedade com o país e vai liderar uma videoconferência no domingo, com outros líderes mundiais, para se definirem estratégias sobre a melhor forma de levar a ajuda de emergência até à antiga colónia francesa.

Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, anunciou no Twitter que vai participar. O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, também está confirmado, tal como o presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, o rei da Jordânia, Abdullah II, assim como representantes dos governos chinês, russo e do Banco Mundial.

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