Dia 90: Temos de arranjar maneira de nos abraçarmos de outras formas

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Mãe,

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Sei que o regresso às aulas é um assunto complexo. Espero que o ministério perceba que por mais que seja importante ouvir os profissionais de saúde, é igualmente fundamental escutar os profissionais de saúde mental, os professores, os economistas e os pais. Li há pouco tempo um artigo assinado por vários autores, entre eles Daniel Sampaio, que resume bem as preocupações sérias que os psiquiatras e terapeutas têm em relação ao impacto emocional das medidas que se prevêem para o regresso às aulas nos miúdos, nomeadamente as medidas de distanciamento entre eles, e o efeito das máscaras, sobretudo nos mais pequeninos que ainda dependem tanto da leitura que fazem das expressões nos rostos daqueles que deles cuidam, a linguagem que melhor entendem, e em que comunicam.

Lembra-se como falámos de que os heróis nesta pandemia não são apenas os médicos e as enfermeiras na linha da frente? Agora, mais do que nunca, vamos precisar dos heróis do dia-a-dia. De professores que, apesar de saberem que vão estar mais expostos, não se deixam levar pelo medo. De auxiliares que confrontadas com as saudades, as lágrimas, ou a alegria de uma criança consigam, sem perder de vista o bom senso, pôr os seus meninos em primeiro. De pais que procurem acalmar a sua própria ansiedade, conscientes de que viver é sempre uma incerteza, evitando discutir todas as medidas, desconfiar de todas as cautelas, oferecendo soluções em lugar de se limitarem a protestar com tudo e com todos.

Oops... Ok. Então para ser coerente com a minha última frase aqui vai a minha contribuição: se eu pudesse pedir aos professores para fazerem uma coisa pelos nossos filhos (tirando as medidas óbvias de prevenção, que todos estamos a aplicar), o que lhes pedia era o seguinte: por favor, escrevam e-mails durante as férias aos vossos futuros alunos. Ou marquem um ou dois encontros por Zoom.

Mãe, já imaginou o que seria se o Ministério da Educação libertasse os professores de burocracias sem fim, e lhes dissesse antes: “Façam tudo o que puderem para conhecerem os vossos alunos do ano que vem — principalmente em mudanças de professores ou de ciclos —, apresentem-se, dêem-se a conhecer, perguntem como estão, como correu a quarentena, percebam em conversa informal o que estudaram, o que sabem, o que os preocupa, e o que lhes causa ansiedade no regressar.”

Mãe, não acha que uma coisa tão simples podia mudar totalmente a forma como os nossos miúdos, afastados da escola há meses e meses voltariam às aulas? Os miúdos sem medos, os professores mais preparados para colmatarem as eventuais lacunas, não como estranhos, mas como alguém que já conhece os seus alunos e que é mais próximo? E se vai haver falta de toque e de abraços – que vai – temos de arranjar maneira de nos abraçarmos de outras formas. E esta era uma delas.

Acha ridícula a minha ideia?

Beijinhos,

Ana


Querida Ana,

A tua ideia é genial, faria toda a diferença neste regresso às aulas tão conturbado, depois de um ano escolar difícil, num mundo de filme de ficção científica. E é tão simples de aplicar, exige apenas vontade e iniciativa por parte dos professores. É claro que era fantástico que a sugestão tivesse a força de uma recomendação ministerial, mas sinceramente é necessário esperar que uma autoridade suprema decida coisas como estas? Tenho a certeza de que a iniciativa podia partir dos agrupamentos, da escola, do professor, por decisão própria.

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Até porque já o vi fazer há uns anos numa escola de Lisboa: nas semanas que antecediam a escola, a professora escrevia a apresentar-se aos alunos do 1.ºciclo (neste caso). Mandava fotografia, dizia o nome, contava coisas da sua infância, daquilo de que gostava e não gostava, e até revelava o seu clube de futebol. Fazia perguntas, queria saber gostos, pedia um desenho. A criança respondia-lhe, com a ajuda dos pais se ainda não soubesse escrever, falava de si, e recebia uma nova resposta. Quando os pais deram por isso, a criança falava da professora com familiaridade, contava a história dela aos avós e aos irmãos, e estava ansiosa por a ir conhecer. O início das aulas foi completamente diferente, sem aquelas angústias do primeiro dia, nem dos seguintes.

E se isto foi no tempo da carta pelo correio, imagina agora que os alunos estão à distância de um e-mail ou de um Zoom.

Ana, espero que os professores – ou pelo menos alguns professores – agarrem a tua ideia e a ponham em prática. Fico à espera de boas notícias.

Beijinhos

Mãe


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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