Traumatismos aumentam no Verão: não ignore os sinais

O tempo de actuação é essencial e a procura de ajuda médica não deve ser adiada.

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Lucian Dachman/Unsplash

Mesmo com as restrições actuais estamos numa altura do ano em que ficamos mais activos fisicamente, saímos e deslocamo-nos mais, com maior probabilidade de ocorrerem quedas ou acidentes os quais muitas vezes atingem a cabeça (traumatismos crânio encefálicos) ou a coluna (traumatismos vertebro medulares). Saiba como actuar perante estas situações, onde o tempo é fundamental, e o que deve fazer para as evitar. Porque a prevenção é o mais importante.

Os traumatismos crânio encefálicos são frequentes?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece os traumatismos crânio encefálicos como um problema de saúde pública e a realidade é que em Portugal ocorrerão cerca de 10.000 traumatismos, motivando cerca de 5500 internamento e cerca de 1000 mortes em cada ano.

O que fazer quando alguém bate com a cabeça?
Quando do acidente resultam de imediato sintomas como sonolência excessiva, dores de cabeça, vómitos ou alterações mais graves do estado de consciência a atitude imediata deve ser o recurso ao Hospital para avaliação clínica e se necessário realização de exames subsidiários. Se por um lado neste tipo de situação os erros são menos frequentes é por outro fundamental saber que o tempo é essencial e portanto não há lugar para o aguardar a ver se melhora. Os hospitais têm medidas de segurança implementadas pelo que não deve haver lugar a hesitação nem receio de procurar resposta clínica.

Um problema completamente diferente se coloca nas situações aparentemente mais simples em que a pessoa atingida fica aparentemente muito bem. De facto é importante saber que pode haver um intervalo livre de sintomas e assim após algum tempo sem qualquer sintoma ocorrer um grave agravamento clínico que pode mesmo conduzir à morte (medicamente denominados “talk and die” ), sendo este agravamento muito mais comum nas primeiras 24 horas. A dúvida que se pode colocar aqui é quando deve ser avaliado medicamente alguém que bateu com a cabeça e que está recuperado ou seja distinguir entre o vulgar “galo” e a possibilidade de atingimento cerebral. São várias as situações que devem levar a avaliação médica, a qual pode inicialmente parecer excessivo:

  • Quando a intensidade da pancada é grande (por exemplo queda de altura, acidente de viação ou desportivo violento) ou seja traumatismo de alta energia;
  • Quando ocorreu perda de sentidos, não há memória do acidente sofrido, persistem dores de cabeça ou se instalam enjoos ou vómitos;
  • Quando há factores de risco associados nomeadamente medicamentos anti-coagulantes, história de traumatismo significativo ou cirurgia cranianas prévias, epilepsia ou idade superior a 65 anos, etilismo ou toxicodependência.

Que gravidade podem ter os traumatismos ligeiros?
Num importante estudo clássico sobre mortes possivelmente evitáveis após um traumatismo crânio encefálico verificou-se que a grande maioria acontecia após traumatismos ligeiros sendo as causas a inadequada percepção da gravidade do traumatismo, a incorrecta avaliação do agravamento clínico ou o atraso no tratamento.

Quais as causas mais frequentes e como prevenir?
Nos últimos anos foi ocorrendo uma muito importante modificação decorrente de múltiplas e importantes medidas de prevenção nomeadamente rodoviárias (melhoria de estradas, utilização de capacetes, obrigatoriedade de cintos de segurança e cadeiras infantis, controlo de álcool) reduzindo-se os acidentes de viação mas aumentando muito as quedas nos doentes seniores e no contexto desportivo e profissional.

Merecem um realce particular os doentes séniores, grupo que com o envelhecimento das populações se torna cada vez maior, que precisa de ter estilos de vida activos e que por outras patologias tem que tomar medicamentos que podem agravar as consequências de um traumatismo (por exemplo anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários como a aspirina diária). Além de existirem consequências dos traumatismos específicos deste grupo etário que são medicamente bem conhecidas o aspecto mais importante decorre de medidas preventivas no domicílio, na via pública (fundamental a sinalização de obstáculos e a correcção de pavimentos, importando alertar quando inexistentes) e no exercício físico (que tem que ser apropriado às limitações que cada um possa ter). A prevenção é o mais importante!

No grupo específico das crianças também as medidas destinadas à prevenção constituem o aspecto principal: utilização obrigatória de capacete ao andar de bicicleta, protecção de escadas, varandas e janelas, pavimento apropriado no local de brincar, organização do mobiliário.

À medida que a prática do desporto se torna mais comum o número de traumatismos cranianos aumenta paralelamente, sendo já hoje a causa de morte mais frequente em desportistas. De novo nenhum tratamento é tão eficaz como a prevenção, importando alterar políticas e mentalidades no sentido de promover a saúde no desporto.

E uma última palavra para o flagelo constituído por múltiplos jovens que em cada ano ficam definitivamente paralisados e condenados a viver o resto da vida numa cadeira de rodas devido a fracturas da coluna cervical ocorridas em acidentes em mergulhos arriscados.

Qual o papel dos familiares e amigos?
Importa ainda realçar a enorme importância de familiares e amigos. Na altura do acidente promovendo uma orientação correcta e precoce de quem sofreu um traumatismo crânio encefálico. Mas depois, quando persistem consequências por vezes definitivas (intelectuais, de comportamento, físicas, da dinâmica familiar), sendo capazes de as compreender (o esclarecimento médico é aqui imprescindível) e de ajudar aceitando as limitações que se instalaram (para o que é preciso amor, paciência abnegação e coragem).

Que conclusão?
Na verdade mantém absoluta actualidade a afirmação de Hipócrates de que nenhum traumatismo crânio encefálico é suficientemente grave para desespero nem suficientemente ligeiro para complacência.

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