Cartas ao director

Historiador incontornável do século XX

A propósito do obituário sobre Joaquim Veríssimo Serrão, meu pai, da autoria de Mário Lopes (Público de ontem), trata-se de visão esclarecida, que apreciámos, mas desejo fazer, contudo, uma correcção e um esclarecimento. Meu pai não nasceu em Tremês e sim em Santarém, um erro que tem sido repetido na imprensa (seu pai, sim, era natural da aldeia de Sinterra, Tremês). A sua ‘prova de vida’ releva obra imensa como incansável historiador e investigador de fontes primárias e também como professor, pedagogo e conferencista, com méritos que maioritariamente se lhe reconhecem. Foi também, é certo, homem controverso nas posições e opções políticas que tomou. Amigo de Marcello Caetano, a quem dedicou fidelidade ilimitada após o 25 de Abril quando todos abandonaram o último governante do regime salazarista, meu pai ganhou com esse gesto uma marca de “homem do Estado Novo” (se não ‘ultra do regime’) que não corresponde à verdade, pois lhe era claramente desafecto: foi, por exemplo, membro do MUDJ, e sofreu perseguições. O recente livro de Paulo Marques da Silva A PIDE e os Seus Informadores: O Caso de Inácio mostra como nos “anos de chumbo” de 40 e 50 era vigiado pelos esbirros da sinistra polícia política de Coimbra como perigoso agitador do “grupo Zenha” e considerado afecto aos sectores democráticos... Recordo, num tempo de adolescência em que já se percebiam as coisas da política com clareza, como as ‘manchas de folha’ lhe prejudicaram o leitorado em França e atardaram a carreira universitária – e muito! Recordo, em Paris, o apoio que deu a exilados e antifascistas. Em suma: meu pai nunca foi afecto ao regime de Salazar, foi sim amigo de Marcello Caetano, convicto de que as “reformas” da “primavera marcelista” iriam “abrir a ditadura à democracia” (coisa impossível, como sabemos). Após o 25 de Abril, manteve por coerência essa fidelidade a M.C. e é certo que assumiu posições polémicas, mas a verdade é que essas facetas não transparecem nem no espírito da sua obra (que é rigorosa e cristalina, com uma visão muito pessoal do “facto histórico” que nada tem de “nacionalista”) nem no seu magistério na Universidade, facto que é, julgo, amplamente reconhecido pela esmagadora maioria dos seus alunos e dos seus pares como marcante e aberto.

Vitor Serrão, Lisboa

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