Ups! Em 2019 fizemos mais lixo e a reciclagem pouco aumentou

País continua a caminho de falhar várias metas na gestão de resíduos urbanos. Quase três em cada cinco quilos de lixo doméstico continuam a ir parar a um aterro, uma solução que “urge” penalizar, insiste a Agência do Ambiente.

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Produção de lixo tem vindo a aumentar sempre que que a economia do país cresce Adriano Miranda

Mais lixo que em 2018, reciclagem com um aumento inexpressivo, e demasiado, demasiado recurso as aterros, aos quais vão parar quase três em cada cinco quilos (57,6%) dos nossos resíduos urbanos. Fechados os números de 2019, a Agência Portuguesa do Ambiente não esconde a fraca evolução face ao ano anterior da gestão colectiva do lixo doméstico e equiparados, e o risco que isso representa para o cumprimento de metas, que até foram adiadas para o final do próximo ano. 

A Agência Portuguesa do Ambiente fechou esta semana o Relatório de Resíduos Urbanos de 2019, um ano em que, apesar de fortes investimentos na recolha selectiva (com alargamento da recolha porta-a-porta em vários pontos do país), o desempenho global dos 23 sistemas de gestão de resíduos urbanos (RU) mostra um país a caminhar demasiado devagar no sentido de um aproveitamento correcto do lixo equiparável ao doméstico produzido pelas famílias e empresas. 

Portugal corre o risco de falhar algumas das metas a que se comprometeu com a União Europeia (mesmo admitindo como prazo o final de 2021), e há uma em que certamente já falhamos, a da redução dos resíduos por habitante, que passou de 507 para 513 quilos, e deveriam, em contraponto, estar a chegar aos 410 quilos. Só nos anos da crise, e da intervenção da troika, fruto da quebra da actividade económica (e do rendimento das famílias), é que esse indicador melhorou. Mal a economia voltou a crescer, cresceu também a produção de lixo, e de 2018 para 2019 esse aumento foi de 1%.

Num país em que mais rendimento significa mais consumo e, logo, mais desperdício, os desafios para quem tem de gerir os resíduos, e incentivar uma mudança de comportamentos, são maiores, mas os dados mostram que estamos a marcar passo face a objectivos que tinham como ponto de comparação os resultados de 2012. O único indicador em que superamos o pretendido para 2020 foi mesmo o da quantidade de recolhas selectivas por habitante, que já estava em 48 quilos em 2019, face aos 47 previstos para este ano. Mas mesmo esta meta tem sido “estragada” pelo aumento sucessivo do total de resíduos, nos quais se incluem recicláveis e não recicláveis. 

Na verdade, Portugal aumentou apenas 1%, de 40 para 41%, entre 2018 e 2019, a percentagem de resíduos enviados para preparação para reutilização e reciclagem. Teríamos de ter 50% em 2020, ou seja, teremos, em dois anos, até ao final de 2021, de incrementar imenso o esforço que, na verdade, quanto ao destino final dos resíduos, esconde uma outra verdade. Parte destes recicláveis não tem condições para reaproveitamento e acaba, no final das contas, por ir também parar a aterro. A taxa de deposição directa em aterro é de 45% (menos 1% que no ano anterior), mas é lá, aos aterros, que vai parar 57,6% do total, ou seja quase três em cada cinco quilos do lixo considerado urbano. 

A taxa efectiva de reciclagem do país é de 23,7%, somando aquilo que é efectivamente reciclado nas embalagens (13%), os resíduos orgânicos transformados em composto e energia (8,4%) e outras formas de valorização (2,3%). E é essa que, em breve, contará para cálculo das metas, depois de anos em que Portugal escolheu medir o seu esforço através da taxa de preparação para reciclagem, como a legislação europeia permitia.

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A UE, só para termos uma noção do atraso que levamos, estabeleceu para 2025 o objectivo de reciclagem efectiva de 55% dos RU, ou seja, o dobro do que Portugal efectivamente reciclava no ano passado. E em 2030 essa taxa passa para 65%. Sendo que, por essa altura, não poderemos enterrar mais do que 10% do lixo que produzirmos. Portugal tem capacidade para queimar uma parte dos resíduos (o peso do valorização energética já cresceu 2,7%, para 18,7%), mas o grande atraso do país é mesmo no aproveitamento (para composto e biogás), da enorme fracção de biorresíduos que colocamos no balde de casa, ou nos contentores de restaurantes, por exemplo. 

“A ambiciosa meta de preparação para reutilização e reciclagem de 2020, torna essencial uma aposta no incentivo de uma rede de recolha selectiva devidamente estruturada e capacitada para a população, sendo a criação de instrumentos para a sua efectivação um ponto crucial. Em particular a recolha selectiva de resíduos orgânicos, apoiada por uma elevada penalização financeira a quem ainda recorra ao aterro e valorização energética de forma directa. Complementarmente o desenvolvimento da recolha selectiva terá de encontrar forma eficaz de premiar os cidadãos que participam activamente na mesma”, conclui a APA, na análise aos resultados de 2019.

A partir de Setembro deste ano, a taxa de gestão de resíduos vai duplicar, penalizando o envio de lixo para aterro. O momento da entrada em vigor desta medida tem sido muito criticado pelo sector dos resíduos, face ao momento de crise que o país atravessa, mas o Governo não dá mostras de querer ceder em algo que, por outro lado, para os ambientalistas, já deveria ter acontecido há muito. Para conseguir evitar este sobrecusto, as entidades envolvidas (que incluem os municípios), têm de encontrar forma de aumentar substancialmente a separação, principalmente dos resíduos orgânicos. Isso requer investimentos que o Governo, ciente deste atraso, pretende apoiar, e que já arrancaram em vários pontos do país. Mas requer, também, uma mudança de comportamentos dos cidadãos que, de alguma forma, terão de perceber, na factura, o impacto do seu esforço para este desígnio colectivo.

 
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