A medicina à distância não pode ser tão distante

É paradoxal que o discurso sanitário sugira, prudentemente, que ninguém se desloque sem razão de força maior a um centro de saúde e que muitos utentes se acumulem nos balcões dos mesmos para marcar presencialmente uma consulta que será feita pelo telefone.

Os efeitos da pandemia nos serviços públicos vão perdurar para lá de qualquer conjuntura de maior ou menor confinamento e de descoberta de uma eventual vacina em tempo útil. O ensino à distância ou o teletrabalho são novos hábitos que se vão entranhar quer nos estabelecimentos privados, quer nos serviços públicos. As universidades têm aqui, por exemplo, uma oportunidade de exploração de plataformas que lhes acentuem uma dimensão nacional ou internacional, sem os constrangimentos da presença obrigatória nas suas instalações. E o próprio Estado admite como “objectivo mínimo” que um quarto dos 68 mil funcionários públicos em teletrabalho assim se mantenha quando esta esgotante pandemia terminar.

Em época de distanciamento necessário, o atendimento à distância ou o teletrabalho deixaram de ser olhados com desconfiança e encarados como tabus. A telemedicina também já não oferece as dúvidas que antes suscitava. Mas, para que este seja um recurso eficaz na relação entre médico e paciente, é necessário que o Serviço Nacional de Saúde se adapte à nova realidade dos fluxos de procura e antecipe um potencial surto outonal.

Segundo o Ministério da Saúde, entre Março e Maio fizeram-se menos 1,1 milhões de consultas do que no mesmo período de 2019, a Ordem dos Médicos prefere sublinhar que foram menos três milhões — só leva em conta os atendimentos presenciais. Muitas das que não se fizeram foi porque não foi possível atender todas as chamadas recebidas nos centros de saúde — as centrais telefónicas não são as ideais, não há telefonistas e os secretários clínicos escasseiam —, porque não foi possível fazer uma marcação pela Internet ou porque não existem equipamentos para videoconsultas.

É paradoxal que o discurso sanitário sugira, prudentemente que ninguém se desloque sem razão de força maior a um centro de saúde e que muitos utentes se acumulem nos balcões dos mesmos para marcar presencialmente uma consulta que será feita pelo telefone e que os clínicos não consideram um acto médico por não se tratar de uma videochamada.

Os centros de saúde retomaram as consultas presenciais desde Junho, mas não deveriam descurar a medicina à distância, uma melhor gestão de horários de atendimento ou o agendamento por hora marcada, até porque a resposta a nível nacional não é uniforme e os serviços deveriam ser adaptados às características urbanas e demográficas das regiões onde o acesso à saúde é mais periclitante. Neste esforço de adaptação há outro factor a ter em linha de conta: a pandemia não desapareceu e a sensatez recomenda que os cuidados primários aprendam com a experiência do primeiro surto da covid-19.

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