“Meninos de Kassanje: associação acusada de tentativa de fraude

A associação evangélica “Pedacinho do Ceú” pediu ajuda para as 200 crianças abandonadas num barracão nos arredores Luanda. Segundo activistas angolanas que encontraram quatro crianças em casa das suas famílias, a denúncia é falsa.

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Laura Macedo e Helena Pereira, activistas angolanas que resgataram as crianças AMPE ROGÉRIO/LUSA

A associação portuguesa “Pedacinho do Céu” está a ser acusada de tentativa de fraude por causa de uma angariação de fundos para ajudar aquilo que diziam ser um barracão de crianças “subnutridas e doentes” abandonadas num barracão no distrito urbano de Estalagem, no município de Viana, nos arredores de Luanda e que foi veiculada na reportagem da SIC “Meninos de Kassanje”, emitida na terça-feira.

A associação, situada em Olhão, recusou-se a dar a localização das crianças à estação televisiva, preferindo “manter o monopólio da ajuda”, como se lê no website da SIC. A mesma justificação foi dada para que a associação não tivesse denunciado o caso a qualquer entidade angolana.

Duas activistas angolanas, Laura Macedo e Helena Pereira, que conseguiram localizar quatro das crianças doentes nas casas das suas famílias e que as levaram ao hospital, denunciam aquilo que consideram ser uma tentativa de fraude por parte da associação portuguesa.

Na página de Facebook da “Pedacinho do Céu”, na qual se identificam como “Igreja Evangélica”, ainda se encontram as publicações a agradecer as “mensagens e tentativas de ajuda” de “todos os que assistiram a nossa reportagem”.

Na publicação seguinte, de dia 29 de Julho, a associação dirige-se aos que “estão a deixar críticas”, agradecendo as preocupações e justificando que por razões que os “transcendem e pela segurança destas crianças” não poderiam divulgar a localização” do armazém. No final, garantem estar a “ajudar estas crianças” como faziam “mesmo antes da reportagem.”

As activistas contactaram Hélder Silva, que na reportagem é entrevistado como a pessoa que em Angola tem colaborado com a “Pedacinho do Céu” para entregar a ajuda alimentar enviada de Portugal, e aperceberam-se que “as crianças haviam sido recolhidas momentaneamente das casas das suas famílias e colocadas num local para que pudessem fazer o vídeo” e constataram que “não existia qualquer barracão ou armazém onde estariam as 200 crianças”.

Depois da gravação do vídeo, “as crianças voltaram para junto dos seus familiares onde habitam, não se encontrando nenhum órfão no processo”, sublinham.

Na incursão foram resgatadas quatro crianças (três rapazes de seis anos e uma rapariga de 16 anos), com o apoio do Instituto Nacional de Emergências Médicas de Angola (INEMA), por necessitarem de cuidados de saúde. As activistas detalham, em comunicado de imprensa, que as crianças estão a ser acompanhadas no hospital “sob tutela das autoridades sanitárias e acompanhadas por familiares directos”.

Para Laura Macedo estamos perante “uma tentativa de fraude realizada em Portugal”, já que não foi feito qualquer pedido de ajuda ou apelo junto das autoridades angolanas.

“As crianças são angolanas, nós somos angolanos, mas o apelo feito pelo Sr. Hélder é para os portugueses; a fraude vem de Portugal, alegadamente de uma senhora que se chama Fátima que, segundo Hélder Silva, coordenou toda esta operação”, explicou Laura Macedo.

Helena Pereira realça que “houve uma manipulação” no sentido de “montar esta encenação” e com todo o “alarido" em torno do caso, Hélder Silva deixou de estar contactável, inviabilizando a localização e possível resgate para acompanhamento médico de outras crianças doentes ou subnutridas, consideram as activistas.

“O Sr. Hélder afirmou-nos que não há 200 crianças. A partir do momento em que sei que não existia nenhum barracão com as crianças aglomeradas, a minha preocupação não era saber onde o Sr. Hélder fez as filmagens, era tentar pegar nas crianças, já que tínhamos inclusivamente o apoio do Ministério da Saúde e levar as crianças para o hospital”, realçou.

Quanto às famílias são “muito muito vulneráveis”, segundo Maria Helena Pereira, que adiantou que as crianças não estariam “a morrer de fome, mas têm carências vitamínicas” e baixo peso, bem como problemas de saúde, havendo mesmo uma criança que não anda.

“São famílias que não têm trabalho, vivem em casas de chapa e cartão”, descreveu e acrescenta “Há, decididamente, mais fome na nossa cidade de Luanda, maior carência. As pessoas deixaram de ir vender no mercado, houve despedimentos, empresas que fecharam. Não há empresas que consigam estar três e quatro meses sem produzir e as pessoas vão para a rua. É este tipo de gente que tenho visto à porta do supermercado”.

A subnutrição em Angola é responsável por 45% da mortalidade infantil e, segundo dados do Ministério da Saúde, citados pelo Novo Jornal, nos últimos três anos morreram 7880 crianças com menos de cinco anos em Angola.

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