Desconfinamento: quando o medo está do lado de fora da porta

Para muitos, o sentimento de solidão causado pelo confinamento teve um impacto negativo. Para outros, o verdadeiro desafio é o regresso às velhas rotinas, com a insegurança e a instabilidade económica a ameaçar o futuro.

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É fundamental “recuperar as rotinas de forma gradual” Fernando Cferdo/Unsplash

O confinamento foi um tempo para Maria, 24 anos, e Joana, 25 anos, repensarem as suas vidas e não sentiram grande dificuldade em ficar em casa. É agora que se debatem com a necessidade de passar para lá da porta de casa e enfrentarem o “novo normal”. A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) está atenta aos que se sentem mais ansiosos ou mesmo em pânico e, por isso, lançou um “Kit Psicológico para o Desconfinamento”. No mesmo sentido, as empresas têm vindo a redobrar esforços para que “o medo não seja bloqueador”, conforme expõe Patrícia Gonçalves, consultora de recrutamento especializado com formação na área dos Recursos Humanos.

“Houve jovens para quem o confinamento foi uma experiência muito positiva, sentiram-se mais protegidos”, confirma a psicóloga Renata Benavente, da OPP. “Nós tivemos algumas pessoas que se habituaram a estar em casa e que, embora não fossem muito ansiosas, tiveram dificuldades a desconfinar”, declara a psicóloga Wiebke Ehmke.

Maria, actriz, revela que “antes do confinamento, era tudo sem parar”. Por isso, “ao confinar, tudo o que era tomado por garantido foi repensado”. Agora que é confrontada com convites de amigos para saídas, a jovem hesita, com medo. “Socializar num grupo implica várias energias, vários tempos… E mexe comigo de uma forma, que amplia os sentimentos de exclusão, de que não me integro”, explica.

Joana, psicóloga, que já antes do confinamento começara a sentir a ansiedade, com as notícias alarmantes sobre o novo coronavírus a monopolizar os meios de comunicação social, encontrou em sua casa “um refúgio” para um mundo caótico. Durante estes meses, a jovem não saía de casa para passeios higiénicos, nem sequer para fazer compras – mesmo com o início do desconfinamento, o medo de dar um passeio pelas imediações continuava a assustá-la. Para regressar ao trabalho, “teve de ser aos poucos, com ajuda profissional”, confessa. Para Joana, o mundo estava agora mais barulhento e no final do dia sentia-se completamente “drenada”, pois “estar ligada, falar com as pessoas, era demasiado”.

Falta de segurança

Nesta fase, ao mesmo tempo que os sentimentos de ansiedade social se ampliam para Maria e Joana, há também a questão da segurança. Afinal, o vírus ainda não desapareceu. “Ficámos com a perspectiva de que estar com o outro é perigoso”, explica Renata Benavente. “Estamos híper vigilantes, alguns preferem evitar o contacto social”, especialmente depois de se terem adaptado ao conforto de casa e do teletrabalho, acrescenta a psicóloga. Patrícia Gonçalves aponta para o “medo colectivo” sentido nas empresas: “Além do medo de infectar ou de ser infectado, há um medo mais intrínseco de perder o emprego, perder estatuto social ou performance no trabalho.”

“No confinamento, foi como se tivesse escrito um livro. No desconfinamento pude lê-lo” – é assim que Maria resume a sua experiência. Nos últimos tempos, tem procurado conciliar a vida social com momentos de solidão e introspecção. “Tenho de aceitar que gosto de estar em casa, respeitar o meu tempo e as minhas necessidades”, acrescenta. Já Joana tem vindo a fazer progressos e a adaptar-se a esta “nova normalidade” aos poucos.

No âmbito do desconfinamento, a Ordem dos Psicólogos está a reactivar a sua campanha “Encontre uma saída”, disponibilizando ainda o Kit Psicológico para o Desconfinamento”, para auxiliar as pessoas que experienciem situações de diminuição da percepção do controlo, de medo de uma segunda vaga, de sentimentos de incerteza, de perda ou de ansiedade em relação à situação económica. Patrícia Gonçalves partilha que, dentro das empresas, há que “garantir confiança interna, comunicar de forma aberta, mostrar que há uma estratégia, um plano”. “É preciso um período de ajustamento”, reforça Renata Benavente, relembrando que é fundamental “recuperar as rotinas de forma gradual”.

Texto editado por Bárbara Wong

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