Zero diz que covid-19 dá tempo para avaliação estratégica do novo aeroporto

Associação ambientalista defende que processo poderia durar menos de um ano, e que a pandemia veio aliviar a pressão sobre o timing da decisão. E realça que no Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030 não surge a palavra Montijo quando se fala de um novo aeroporto.

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Governo e ANA têm afirmado que investimento no Montijo é para avançar daniel rocha

Para a Zero, a pandemia de covid-19 e os impactos que está a provocar em sectores como o transporte aéreo dão “tempo para uma avaliação ambiental estratégica [AAE] que poderia durar menos de um ano”. Em comunicado a distribuir esta quinta-feira e onde realça “cinco razões para repensar o futuro das infra-estruturas aeroportuárias na Área Metropolitana de Lisboa”, esta associação ambientalista sublinha que “as expectativas de evolução do número de passageiros para os próximos anos na sequência da restruturação do sector da aviação, em particular da TAP, a estrutura de deslocações relacionadas com a actividade turística e ainda a provável penalização dos preços por razões ambientais, conduzirá inevitavelmente a uma redução do número de movimentos” aéreos.

Um dos argumentos para a escolha do Montijo foi a saturação do aeroporto Humberto Delgado, na Portela, que em 2019 bateu novos recordes ao chegar aos 31,1 milhões de passageiros (mais 7,4% face a 2018), com o dia 9 de Agosto de 2019 a ser o mais movimentado de sempre, com 709 voos (dados da NAV Portugal). Indicadores que deverão demorar algum tempo até serem de novo atingidos devido à crise actual.

“Desde o início de todo este processo que a Zero tem vindo a alertar para a absoluta necessidade da realização de uma avaliação ambiental estratégica, não apenas por motivos legais, uma vez que a legislação europeia e nacional assim o obriga”, defende-se no comunicado, “mas acima de tudo por questões estratégicas e de planeamento de longo prazo, naquela que será uma decisão com um enorme impacte no País, em termos económicos, sociais, ambientais e de ordenamento do território”.

Recordando que já tem uma acção judicial em curso por causa da ausência de uma AAE antes da escolha do Montijo, a Zero diz ainda que os impactes climáticos da aviação, “não contabilizados no estudo de impacte ambiental do novo aeroporto complementar, obrigam a uma gestão muito mais conciliatória com o uso da ferrovia para destinos próximos, para além de uma fiscalidade apropriada que deverá reduzir a procura”.

Usando a informação já recolhida para a opção Portela+Montijo e para a possibilidade do Campo de Tiro de Alcochete (cuja declaração de impacte ambiental, diz a Zero, ainda está válida por algum tempo mas “que é necessário rever e actualizar”) e incluindo na equação “eventuais outras localizações possíveis”, a AAE “não demoraria certamente mais de um ano a desenvolver”. E funcionaria como “um elemento fundamental para encontrar uma solução equilibrada e convenientemente discutida e participada”.

Portugal 2020-2030 sem a palavra “Montijo"

A Zero adianta também que a referência ao Montijo não foi incluída no Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, elaborado por António Costa Silva a pedido do Governo, quando se fala de um novo aeroporto no documento. Com isso, a associação faz uma leitura de distanciamento da solução Portela+Montijo por parte do gestor que elaborou o plano.

No documento em causa, e que está em consulta pública até ao dia 21 de Agosto, refere-se que é essencial “construir o aeroporto para a grande Área Metropolitana de Lisboa, tendo em conta que as ligações aéreas são fundamentais na performance da economia portuguesa”, e que “isso tem a ver não só com o turismo, que é um sector crucial da economia, mas também com muitas outras fileiras económicas”.

“Não apenas de forma subtil, o documento não assume a opção Montijo como é por demais evidente que o aeroporto não tem esta capacidade de resposta, é um aeroporto assumidamente complementar, não pode ser expandido e não virá estar ligado à ferrovia”, defende a Zero.

Em complemento, a associação ambientalista diz ainda que o parecer do Conselho Superior de Obras Públicas sobre o Programa Nacional de Investimentos (PNI 2030) “alerta para o facto das obras no aeroporto de Lisboa e o novo aeroporto do Montijo não serem uma solução no longo prazo”.

A Zero reitera ainda que o Montijo “é uma opção com impactes ambientais graves”, em termos de conservação da natureza e de ruído, e que “a expansão do aeroporto Humberto Delgado é impossível” devido à necessidade de um estudo de impacte ambiental e os níveis de ruído ligados à infra-estrutura. “Só o interesse público por agora de uma infra-estrutura desta natureza, enquanto não se desenvolve alternativa”, torna o funcionamento da Portela “suportável”, sintetiza-se no comunicado.

A associação recorda que está ligada, além da acção judicial interposta em Fevereiro de 2019 devido à falta de uma AAE, a uma “iniciativa conjunta de oito organizações portuguesas de defesa do ambiente que levaram o governo português a tribunal” no início do passado mês de Junho para tentar evitar que a construção do aeroporto do Montijo avance.

Mudar autarcas ou mudar a lei

Para já, o que se tem registado são atrasos face ao plano inicial, e tanto a empresa responsável pelos aeroportos nacionais, a ANA (do grupo francês Vinci, presente em outros sectores como o da construção), como o Governo têm defendido que a decisão está tomada e não será alterada. Mesmo assim, falta perceber como é que se resolve a oposição de dois dos concelhos afectados, Moita e Seixal. Sem “luz verde” dos dois autarcas, de acordo com a legislação em vigor, o processo não pode ser entregue ao regulador da aviação civil, a ANAC,

No dia 21 de Junho, numa audiência parlamentar conjunta com o ministro do Ambiente, o ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, reiterou que “nenhuma infra-estrutura de importância nacional pode ficar dependente de apenas um município”.

Chamado à Assembleia da República por causa do novo aeroporto, Pedro Nuno Santos afirmou que, sem conseguir convencer os autarcas em causa, fica apenas “um último caminho”, e que esse é “a alteração da lei”. O ministro das Infra-estruturas quer “avançar o mais depressa possível”, mas se a opção for a de mudar lei em vigor terá ainda de encontrar aliados no hemiciclo para fazer passar as alterações pretendidas.  

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