O fujimorismo ainda vive 30 anos depois mas pode estar para morrer

A 28 de Julho de 1990, Alberto Fujimori assumia o seu mandato como Presidente do Peru. O anónimo engenheiro agrónomo que derrotou o escritor Vargas Llosa continua a marcar a política peruana com o seu apelido como adjectivo e a filha Keiko como principal herdeira.

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Alberto Fujimori e a filha Keiko, como primeira-dama, durante a missa do dia da independência do Peru na catedral de Lima, a 28 de Julho de 1997 Reuters
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Alberto Fujimori em tribunal, em 2015, respondendo a mais um processo em que era acusado. Tirando o ano de perdão que gozou em 2018, o ex-Presidente está preso desde 2005 Enrique Castro-Mendivil/REUTERS

O Peru nunca mais foi o mesmo desde que o desconhecido engenheiro agrónomo Alberto Fujimori irrompeu das margens da política peruana para derrotar na corrida presidencial de 1990 Mario Vargas Llosa que, para evitar que Alan García pudesse chegar novamente à chefia do Estado, tinha lançado uma candidatura que quase todos davam como favorita. O escritor ainda não era prémio Nobel (só seria 20 anos depois), mas tinha um nome reconhecido no mundo inteiro e as sondagens davam-lhe a vitória quase certa.

Vargas Llosa ganhou na primeira volta, acabando derrotado na segunda pelo discurso populista de Fujimori que prometeu mão dura contra o Sendero Luminoso, o grupo guerrilheiro liderado por Abimael Guzmán (a cumprir pena perpétua desde 1992), e contra o Movimento Revolucionário Tupac Amaru. Também porque o discurso neoliberal do escritor levou a que os movimentos mais à esquerda se tivessem alinhado com o desconhecido, a ponto de Fujimori ter ganho com 62,32% e se ter tornado no primeiro Presidente do país a conseguir ser eleito com mais de 50% do total dos votos emitidos.

Dois anos depois desse dia 28 de Julho de 1990 em que tomou posse do cargo, Fujimori estaria a dar um auto-golpe, a suspender o Congresso, e o seu braço direito Vladmiro Montesinos controlava todos os aspectos da vida política no país, como um chefe dos serviços secretos de uma qualquer ditadura. E desde então, a vida política peruana passou a dividir-se em torno do seu nome: fujimoristas contra antifujimoristas.

Ainda hoje, mesmo na prisão, condenado a uma pena de 25 anos por crimes contra a humanidade e corrupção em 2009, a sua influência não deixou de se fazer sentir na política do Peru. Quer com a sua filha, Keiko, candidata à presidência derrotada por duas vezes (em 2016 por apenas 40 mil votos), que esteve presa preventivamente até Maio, acusada de receber dinheiro da construtora brasileira Odebrecht; quer com o filho Kenji, actualmente a ser julgado por alegada compra de votos para o ex-Presidente Pedro Pablo Kuczynski, que está em prisão preventiva de 36 meses desde o ano passado, também por suspeita de receber dinheiro da Odebrecht. 

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Keiko Fujimori esteve detida em prisão preventiva até Maio, quando o Supremo Tribunal revogou essa decisão Mariana Bazo/Reuters

Kuczynski perdoou Fujimori em Dezembro de 2017 por razões humanitárias, mas a decisão foi anulada pelo Supremo Tribunal em Outubro de 2018 e o ex-Presidente voltou para a cadeia em Janeiro de 2019.

Com Keiko e Kenji cada vez mais acossados pela Justiça peruana, comenta-se há meses que podemos estar a assistir ao declínio do fujimorismo no Peru, presença quotidiana na vida política do país desde há três décadas. Força Popular, o partido de Keiko, recebeu um golpe profundo nas eleições extraordinárias para o Congresso, (convocadas depois de o Presidente Martín Vizcarra ter dissolvido o anterior), passando a sua bancada de uma maioria de 73 deputados para apenas 15 (sexto partido mais votado).

E agora está ameaçado até de suspensão, depois de o procurador anti-corrupção José Domingo Pérez, da equipa do Ministério Público que investiga a Operação Lava Jato no país, ter solicitado na semana passada que o partido seja impedido de qualquer actividade durante dois anos e meio, por suspeita de lavagem de um milhão de dólares oferecido pela Odebrecht à campanha presidencial de Keiko.

A politóloga Adriana Urrutia Pozzi-Escot dizia à France 24, depois do fracasso eleitoral, que não estamos a assistir ao ocaso do fujimorismo, mas à sua redução ao núcleo duro que segue o ex-Presidente desde os anos 1990. “Os sectores que Keiko havia conseguido juntar à volta de uma proposta de anos e anos de trabalho partidário afastaram-se”, explicou.

O fujimorismo enfrentou o actual Presidente e quis, com a sua maioria e os seus aliados, forçar a eleição de juízes próximos para o Tribunal Constitucional, numa manobra política que acabou por se mostrar desastrosa. Nem Martin Vizcarra foi fraco, nem a Força Popular se mostrou sólida e com a detenção de Keiko desagregou-se. Se este é o fim ou apenas um percalço ainda se está para se ver e tudo depende muito da conclusão do processo judicial contra a mulher que fez de primeira-dama de Alberto Fujimori e herdou o facho do seu movimento populista, caciquista e demagógico.

Ironicamente, quando Vizcarra resolveu dissolver o Congresso, depois de a maioria parlamentar ter procurado forçar a sua destituição, Keiko e os fujimoristas acusaram o Presidente peruano de “golpe de Estado”. No entanto, nem Vizcarra agiu à margem da lei, limitando-se a utilizar uma prerrogativa constitucional, nem os fujimoristas têm moral para protestar contra autogolpes, quando Fujimori o usou como arma política em 1992.

No caso de o tribunal aceder ao pedido do procurador, a Força Popular deixa de poder participar nas eleições de Abril do próximo ano, em que se elege o Presidente e 130 deputados. “Que um delegado do MP pretenda desabilitar a Força Popular com um processo eleitoral em marcha é um acto inédito e antidemocrático”, escreveu Keiko Fujimori no Twitter.

A filha de Fujimori continua a ser a candidata presidencial natural da Força Popular, depois de o tribunal de recurso ter anulado a prisão preventiva, mas as sondagens não auguram grande possibilidade de à terceira ser de vez para Keiko chegar à presidência. George Forsyth, presidente da Câmara de La Victoria (em Lima) continua favorito, com 23% das intenções de voto, de acordo com a sondagem da Ipsos, com Keiko Fujimori em quarto, com apenas 6%. Mas a Alberto Fujimori também ninguém dava nada por ele há 30 anos.

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