O malabarismo com o trabalho e a vida pessoal: há conciliação à vista?

A pressão e as exigências profissionais conduzem a horas extraordinárias, não só durante a semana, mas também ao fim-de-semana, deixando menos tempo para a vida pessoal.

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Olha Khorimarko/Getty Images

A evolução na tecnologia e na conectividade, a necessidade de resposta imediata e a expectativa de constante disponibilidade na entrega de serviços ao consumidor, assim como os ambientes de trabalho que se estendem 24/7, tornam a Conciliação Trabalho-Vida Pessoal (CTVP), no mínimo, desafiante.

A pressão e as exigências profissionais conduzem a horas extraordinárias, não só durante a semana, mas também ao fim-de-semana, deixando menos tempo para a vida pessoal. Com esta realidade, aumenta o stress, a ansiedade, a não concretização de tarefas importantes na relação com filhos e/ou parceiros, a alienação de relações interpessoais, e a perda de qualidade de vida.

A CTVP exprime-se por uma relação harmoniosa e compatível entre a actividade remunerada e outros domínios importantes da vida pessoal que poderão incluir tarefas do dia-a-dia, tempo com a família e amigos, gestão da saúde, assistência aos filhos e familiares idosos, actividades de lazer e de desenvolvimento pessoal, aprendizagem de novas competências, voluntariado, actividade física, entre outras.

Este equilíbrio varia não só de pessoa para pessoa, dado que cada um de nós tem prioridades distintas e vidas dissemelhantes, como também ao longo do tempo para uma mesma pessoa: por exemplo, as prioridades no início da carreira serão diferentes das que poderão existir perto da reforma, assim como as necessidades de uma fase da vida sem filhos irão diferir das de uma fase com filhos. Não há um número único que sirva a todos.

Sabe-se que a CTVP promove bem-estar pessoal, incluindo a satisfação com a saúde, com a vida familiar e com a vida no geral. Mas este equilíbrio é benéfico também para as organizações: vários estudos têm demonstrado a associação positiva entre a CTVP e a produtividade, satisfação e envolvimento com o trabalho, redução de conflitos em ambiente laboral e diminuição de turnover (poupando-se em recrutamento e na formação de novos recursos humanos). Adicionalmente, organizações que promovem este equilíbrio nos seus colaboradores demonstram ter melhores resultados financeiros e menores níveis de risco.

O conflito pode acontecer quando um dos domínios (vida pessoal ou trabalho) interfere com o outro; ressalva-se que as pessoas poderão ter dificuldade em manter um bom funcionamento no trabalho e na vida pessoal, não por terem problemas na gestão do tempo, mas por não lhes caber a gestão de uma boa porção do seu tempo. Todavia, quando há uma interacção positiva entre ambas (vida pessoal e laboral), acorre um enriquecimento, isto é, as aprendizagens, as competências e os recursos da vida pessoal são aplicados à vida profissional e vice-versa. Por exemplo, pessoas com filhos poderão sentir que a parentalidade lhes permitiu desenvolver maior paciência e escuta activa, o que por sua vez os auxiliará na gestão da sua equipa no trabalho. Pessoas com este enriquecimento são menos prováveis de sentir ansiedade e stress no cumprimento das múltiplas tarefas que compõem o seu dia-a-dia.

Porém, a CTVP é difícil de atingir apenas com o esforço individual, sem o encorajamento e envolvimento organizacional. De acordo com vários estudos, as organizações podem facilitar a CTVP através de programas que promovam: 1) flexibilidade (no horário e duração, contemplando ainda a possibilidade de trabalhar remotamente) e autonomia; 2) trabalho em part-time; 3) licenças e outras medidas de assistência à família; 4) recursos parentais e apoio à amamentação; 4) recursos de apoio a idosos; 5) programas de saúde e bem-estar para os colaboradores, tais como facilitação de exercício físico e alimentação saudável dentro das instalações da organização; 6) aconselhamento em saúde mental, entre outros.

Os estudos na área são já abundantes e os casos práticos de sucesso começam a ganhar visibilidade. Resta assim esperar que os agentes com poder de decisão promovam (ou continuem a promover) iniciativas e uma cultura organizacional que permita a CTVP; esta será não só um factor de competitividade, como também de qualidade de vida individual e societal.


PhD, investigadora e docente, ISPA – Instituto Universitário William James Center for Research

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