Actor Bruno Candé foi assassinado em plena Avenida de Moscavide

O actor de 39 anos pertencia à companhia de teatro Casa Conveniente. O crime ocorreu cerca das 13h de sábado. Presumível homicida tem cerca de 80 anos. Família fala de “carácter premeditado e racista” do crime.

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Bruno Candé Bruno Simão

O actor Bruno Candé Marques, que pertencia à companhia de teatro Casa Conveniente, foi morto a tiro este sábado, em plena rua, na Avenida de Moscavide, concelho de Loures, junto a Lisboa. O actor vivia no Casal dos Machados, na freguesia do Parque das Nações, perto do local do crime. Tinha 39 anos e deixa três filhos, dois rapazes, com cinco e seis anos, e uma menina, que completará 3 anos em Agosto. O actor, que há dois anos e meio sofreu um acidente de bicicleta, tinha desde então, segundo a família, “sequelas em todo o seu lado esquerdo”, tendo-lhe sido atribuído "um atestado de incapacidade, sendo as limitações de mobilidade evidentes.”

Segundo informações da Lusa, terá sido baleado por outro indivíduo, que terá cerca de 80 anos. O crime terá ocorrido por volta das 13h, e quando a Polícia de Segurança Pública (PSP) chegou ao local, encontrou “um homem que tinha sido baleado em várias zonas do corpo por outro homem.”

O presumível autor do homicídio foi retido no local por várias pessoas e acabou por ser detido pela PSP, que lhe apreendeu a arma de fogo. Desconhece-se para já os motivos do crime. “Em termos de motivação, ainda não percebemos muito bem o porquê”, avançou a PSP à Lusa, acrescentando que não era conhecida qualquer relação entre a vítima e o autor do crime. À SIC Notícias, testemunhas do crime afirmaram que tinha havido desentendimentos nos últimos dias entre a vítima e o presumível homicida, mas nada que fizesse esperar um acto de violência. O PÚBLICO contactou a PSP para obter mais detalhes sobre este crime, mas sem sucesso até ao momento. Por se tratar de um homicídio, o caso foi entretanto entregue à Polícia Judiciária.

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Bruno Simão

Entretanto, a família, num comunicado enviado à imprensa, descreve que o “Bruno foi barbaramente assassinado, alvejado à queima-roupa com 4 tiros na rua principal de Moscavide” e que o “assassino já o havia ameaçado de morte três dias antes, proferindo vários insultos racistas” a ele e à família. “Face a esta circunstância fica evidente o carácter premeditado e racista deste crime hediondo”.​  Também em comunicado o SOS Racismo exige “justiça”, considerando tratar-se de “um crime com motivações de ódio racial”, solicitando que “o assassinato de Bruno Candé Marques não seja mais um sem consequências.” 

Em declarações ao PÚBLICO, a actriz da companhia Casa Conveniente, Marta Félix, avança que terá havido “uma discussão na quarta-feira, depois de um homem ter tropeçado na cadela do Bruno, da qual era inseparável e que foi importante na sua recuperação.” Segundo a actriz o “homem terá ameaçado o Bruno de morte e, hoje, quando ele estava numa esplanada na avenida principal de Moscavide, onde ia assiduamente, o homem avistou-o, terá ido pouco depois a casa buscar uma arma, e disparado quatro tiros.”

A encenadora e actriz Mónica Calle, que desde sempre lidera a companhia, fala com emoção de um ser humano excepcional. “Era impossível não gostar dele. Em qualquer circunstância, em qualquer contexto, era uma pessoa impossível de não ser amada. Era alguém com uma alegria e generosidade como raramente conheci na vida. Tinha uma força e inteligência emocional incríveis. Era alguém que procurou sempre descobrir-se a si e aos outros.”

Bruno Candé nasceu em Lisboa, no seio de família com origens na Guiné-Bissau, tendo frequentado a Casa Pia. “Foi aí que começou a fazer teatro, tendo aí recebido vários prémios”, revela Mónica Calle. “Depois foi encaminhado para a escola profissional do Chapitô, onde continuou a estudar teatro. Era o seu sonho desde sempre: ser actor.” Em 2010 os caminhos da Calle e Bruno Candé cruzaram-se.

“A partir daí nunca mais deixou a Casa Conveniente”, afirma. “O primeiro espectáculo que fez connosco foi A Missão – Memórias de Uma Revolução, do Heiner Müller, que acabou por ganhar um prémio da Sociedade Portuguesa de Autores.” Seguiram-se diversos espectáculos com a companhia, bem como cinema, com direcção de Margarida Cardoso, e televisão. Há dois anos e meio o seu trajecto foi repentinamente interrompido. Teve um acidente muito grave de bicicleta. Esteve em coma muito tempo. “Às portas da morte”, diz Mónica Calle. Depois, a recuperação. “Até os médicos diziam que se tinha operado uma espécie de milagre”, reflecte Calle.

“Ninguém sabia se iria sobreviver e previa-se que, quando ‘acordasse’, que os danos físicos e psicológicos seriam inúmeros e alguns irreversíveis. E ele, mais uma vez, contra todas as expectativas, sobreviveu. E para além disso foi recuperando a memória, o andar e a fala. Quando ele ‘acordou’, nesses momentos, disse-nos que aquilo que o salvou e o ajudou a recuperar foram os textos teatrais. Nomeadamente esse texto da Missão, que foi o primeiro espectáculo que ele fez com a Casa Conveniente.”

Já este ano, a companhia, tinha desenvolvido dois workshops, onde Bruno Candé participara. Objectivo? “Criar um espectáculo, que começou por ser uma homenagem ao Bruno, por ele ter recuperado, porque ele esteve mesmo à porta da morte. E agora acontece isto”, emociona-se Mónica Calle. O espectáculo irá acontecer em Março do próximo ano, com co-produção da Culturgest, sendo inspirado no título e no livro de José Riço Direitinho, O Escuro que te Ilumina.

A actriz e encenadora Mónica Garnel, também pertencente à Casa Conveniente, lembra que ele andava a trabalhar num novo projecto (um livro), e que ao longo dos anos ouvia “de forma obsessiva” a canção Ne me quitte pas de Jacques Brel. “Era recorrente relatar a história que terá sido uma rapariga que conheceu que lhe terá dado a ouvir a música”, explica, “mas só anos mais tarde, por não perceber francês, entendeu na plenitude a letra e a mensagem que lhe era implícita”, diz. "Era um incansável contador de histórias.” 

No espectáculo Rifar O Meu Coração, feito com a cumplicidade do público, a partir de diversos quadros, os actores escolhiam uma música para contarem uma história confessional, e era essa mesma canção que atribuía ambiente ao desempenho emocional e intimista de Bruno Candé,  que por norma terminava com o actor sendo abraçado calorosamente por membros da assistência.

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