Jornalista e seus derivados

O acesso à profissão deve ser revisto, designadamente a atribuição do título de equiparado a jornalista. A bem do jornalismo.

Um destes dias, o director de um jornal regional contava-me ter sido multado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ). Motivo? Não tinha renovado o respectivo título, que no caso era o de equiparado a jornalista. Relatava que a razão para que tal tivesse acontecido não era esquecimento, mas uma questão incompatibilidades. Como entretanto tinha estado a exercer uma actividade que o Estatuto do Jornalista considera incompatível, considerou – e bem – que não deveria ser detentor daquele título, durante o período em que não exercesse funções editoriais. Escrevo assim mesmo e não funções jornalísticas, porque o referido director me dizia não se considerar o que aparentava ser. “Tenho o título de equiparado, mas não sou jornalista. A minha função é coordenar uma equipa e escrever o editorial.”

Achei aquele relato curioso, por ser raro, isto é, alguém que não tem formação em jornalismo, que é director de um órgão de comunicação social – que por lei o obriga a ser detentor do título de equiparado a jornalista – mas que não é por isso que se considera o que não é. E respondi-lhe: “És um caso raro no panorama dos media regionais em Portugal. Outros te seguissem o exemplo.”  

Este caso remete-me para uma das sugestões que deixei no 4.º Congresso dos Jornalistas Portugueses (Lisboa, 12-15 de Janeiro de 2017), aquando do painel “O jornalismo de proximidade e a profissão fora dos grande centros”: repensar o acesso à profissão, rever a legislação, no sentido de tornar obrigatória a formação em jornalismo aos directores de órgãos de comunicação social. Fi-lo a pensar no caso particular dos equiparados a jornalistas. Essa formação não tem de ser superior, mas no mínimo uma iniciação ao jornalismo – que pode ser ministrada pelo CENJOR ou até universidades e politécnicos que tenham professores competentes para tal. Motivo? Vão dar ou estão a dar a cara por projectos editoriais, que em boa parte dos casos assumem o exercício do jornalismo, e porque muitas vezes dirigem jornalistas. Estão a ver um carpinteiro ir liderar uma unidade de saúde, com médicos e enfermeiros? Que confiança se pode depositar e resultados esperar?

A discussão é particularmente premente, numa altura em que cresce a desinformação, designadamente através de sites, blogues e redes sociais. E até já houve relatos de registos na ERC de sites deste tipo. Recente é o caso do Notícias de Viriato, que terá movido dois processos judiciais à CCPJ, depois desta entidade ter alegadamente indeferido a emissão do título de equiparado a jornalista ao director daquele meio, já depois da própria CCPJ ter iniciado o processo de emissão. 

É evidente que começa a ser difícil para o cidadão comum distinguir o que é jornalismo, daquilo que não é. Quem é jornalista e quem não é. E neste cenário complexo, a pior coisa que pode acontecer é que seja o próprio meio (mediático) e/os organismos que regulam ou representam, a contribuir para esse estado de coisas. Uma coisa são os jornalistas – que por cá são legalmente reconhecidos como tal quando exercem a profissão de forma “principal, permanente e remunerada” – e outra uns seus derivados, que podem assumir diferentes designações e sobretudo práticas. Há equiparados e equiparados, bem como jornalistas e jornalistas. Distinga-se claramente. Discuta-se e legisle-se!

 

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