Esquerda chega ao Estado da Nação com medo do fantasma da austeridade e bloco central

À esquerda, o regresso da austeridade e de uma aproximação entre o PS e o PSD são duas das preocupações que turvam o balanço da sessão legislativa. Por sua vez, a direita divide-se entre garantias de oposição e descontentamento com as soluções “tradicionais”.

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O debate acontece esta sexta-feira Miguel Manso

O debate para o estado da nação acontece esta sexta-feira, a partir das 9h30. Será durante este encontro que os partidos fazem um balanço da sessão legislativa que termina. Reunimos as reflexões feitas por cada partido em declarações à agência Lusa na véspera do debate e elencamos os temas que levarão ao Parlamento.

PS diz que país está “mais preparado” do que em 2015

Com uma “ambição diferente” daquela que tinha em Fevereiro deste ano – antes da pandemia –, o PS chega ao debate do estado da nação defendendo que o país está “mais preparado, mais mobilizado e mais determinado” do que em 2015 e garante que, agora que “está mais atenuada a crise sanitária”, é possível “responder aos problemas que se colocaram e que se vão colocar por muito tempo”.

A líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, afirma ainda que o PS espera continuar o seu caminho ao lado dos parceiros à sua esquerda. “O PS nunca o escondeu e nunca o esconderá, e volto a reafirmar como líder parlamentar do PS: o nosso empenho é que continuemos o caminho que iniciámos em 2015 com os parceiros à nossa esquerda.” Mas deixa recados. Ana Catarina Mendes pede que o Parlamento “saiba estar à altura da sua responsabilidade e a responsabilidade é não olhar para os seus umbigos”. E ainda que o PS repita que não haverá austeridade, a socialista avisa que o futuro “exige nervos de aço” e “respostas sustentáveis”.

PSD afasta bloco central

Por sua vez, o PSD reitera que é um partido da oposição e afasta o regresso do bloco central, ainda que a recente aprovação da alteração à frequência de debates na Assembleia da República com o primeiro-ministro tenha despertado a lembrança de acordos entre o PS e PSD. O vice-presidente da bancada parlamentar, Adão Silva, diz que a atitude do PSD nos últimos meses reflecte “uma situação excepcional” fruto da pandemia e afasta um cenário de “formalização política” de um bloco central. “É preciso manter consensos no que for possível manter, mas o PSD não pode deixar de ter o seu papel e a sua linha muito bem definida”, declarou.

Adão Silva sublinha que Rui Rio sempre “deixou muito claro que o importante era encontrar soluções de grande âmbito, muito alargadas, para respostas aos desafios que aí vêm”. No entanto, destaca que isso “não se confunde com uma vinculação política de bloco central, no sentido tradicional que as pessoas lhe dão, por parte do PSD”. “O PSD não pode ter uma posição de obstinação no sentido de não ajudar a que se encontrem saídas boas, novos horizontes no futuro próximo. Isso seria um exercício de dogmatismo, de fundamentalismo que o PSD não tem”, concluiu. 

BE desconfia das “juras de amor” à esquerda

Apesar de o PS repetir a preferência à esquerda, para o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, não é assim tão claro que o PSD esteja “fora da dança” dos partidos. “Há aqui uma acção mais conjunta, algo que não existia no início da sessão legislativa”, aponta. Sobre a relação do BE com o PS, Pedro Filipe Soares responde que início da legislatura “o PS fez uma escolha e isso não mudou muito desde Outubro passado até agora”.

“Nós não estamos no mesmo ponto político, não estamos no mesmo ponto de análise teórica geral porque já tivemos uma validação prática de muitas das escolhas. Veremos é o que é que se faz com essa aprendizagem e nessa matéria o Orçamento do Estado para 2021 será definidor”, acredita.

PCP aponta aproximação de Costa a Rio

O PCP destaca que a pandemia de covid-19 “deixou claro” problemas que não são de agora, “mas que ficaram mais evidentes perante os olhos de todos, por exemplo, os profundos problemas estruturais” que Portugal enfrenta e pede soluções diferentes do passado. Paula Santos, líder parlamentar em substituição temporária de João Oliveira, assinala que houve uma “convergência entre o PS e o PSD num conjunto de aspectos" no orçamento suplementar e que os socialistas têm “feito a opção, de facto, pela defesa dos interesses das grandes empresas e do capital”.

PEV preocupado com “aproximação visível"

Também o PEV está preocupado com “aproximação visível” entre PS e PSD. Para o líder parlamentar, José Luís Ferreira, esta aparente aproximação ficou mais visível nas negociações do Orçamento Suplementar para 2020, nas quais PS e PSD se “sintonizaram” para fazer aprovar a proposta relativa ao alargamento dos apoios aos sócios-gerentes. José Luís Ferreira sublinhou ainda a necessidade de “trazer o interesse público para muitas das decisões políticas que são tomadas”, fazendo referência aos casos Novo Banco ou TAP. Não obstante, o partido garante que terá “o mesmo espírito aberto” nas negociações com o Governo, adiantando que irá insistir com o executivo socialista no tema da legislação laboral, nomeadamente na valorização salarial “que não foi cumprida neste orçamento" 

CDS preocupado com “unanimismo pandémico”

Para o líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, uma das preocupações é o “unanimismo pandémico”. Para o centrista existiu um aproveitamento da pandemia para “limitar direitos democráticos de participação”. Telmo Correia referiu que “não só há uma sessão legislativa pré-pandemia e outra pós-pandemia, como há um aproveitamento da realidade da pandemia para limitar direitos democráticos de participação das várias forças políticas e concentrar oportunisticamente esse debate numa espécie de unanimismo pandémico, de que ninguém poderia discordar”.

Além da alteração na frequência de debates com o primeiro-ministro, o CDS fala numa “série de imposições que se traduziram em menos debate, menos votos, menos participação dos deputados”. 

PAN quer saber se haverá segundo orçamento

Para o PAN, este vai ser um debate para esclarecer dúvidas, nomeadamente se haverá ou não um segundo orçamento rectificativo. O partido mostra-se preocupado com “a forma como foi feito o desconfinamento, mesmo as próprias medidas de apoio social”, e alerta para o facto de “os próprios prazos e moratórias que têm sido previstos poderem não ser suficientes para dar resposta às várias necessidades que surgiram com esta crise”. A líder parlamentar, Inês Sousa Real, adianta que o partido irá levar a debate a descarbonização e a aposta na “retoma da economia e da retoma social num modelo económico mais sustentável”.

Chega diz que estabilidade do Governo está à direita

Para o deputado único do Chega, a sessão legislativa começou “com garantias de estabilidade à esquerda e, aparentemente, essa estabilidade foi encontrada no PSD e não nos partidos à esquerda”. André Ventura diz que além da saída de Mário Centeno de ministro das Finanças, “o grande marco desta sessão legislativa, em termos políticos” é “o doutor Rui Rio assumir-se praticamente como vice-primeiro-ministro de Portugal, como o suporte do Governo socialista, deixando ao Chega e ao CDS a oposição à direita”.

IL quer liberdade para se experimentar novas soluções

 A Iniciativa Liberal pede “grande frieza e objectividade” e diz ser preciso que “as pessoas se sintam mais livres para experimentar novas soluções e novos caminhos para fazer face aos problemas”. “Estamos a entrar em território não mapeado, desconhecido para todos e precisamos de facto de conseguir experimentar alternativas de soluções e isso só vem em sociedades verdadeiramente dinâmicas, verdadeiramente livres e existem sobretudo em países que têm uma cultura democrática e um conjunto de políticas liberais”, aponta o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo. E será essa a mensagem que tentará passar esta sexta-feira.

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