Dia 86: no próximo domingo, vamos celebrar os avôs

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Ana,

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Tenho saudades vossas. É óptimo estar de férias a dois — e não desanimes, só faltam trinta anos para também teres essa sorte! — mas a verdade é que quando vocês não estão por perto sinto sempre que me falta um bocadinho de mim. Dito isto, é claro que depois de vários dias com todos, passa-me depressa esta nostalgia, e volto a sonhar com a casa em silêncio, e banhos de imersão compridos, sem me preocupar com a fila de gente que ainda quer lavar os dentes. Decididamente, não admira que as pessoas gostem de ser avós, porque passam a poder ter o melhor dos dois mundos.

Felizmente vocês vêm cá passar o Dia dos Avós, que é já no domingo. Se calhar esqueceram-se, mas eu lembro-vos. E avisa-as, quero desenhos e cartas e presentes, até da Amora. Mas explica-lhes que este ano vamos celebrar sobretudo o avô. Sei que esta é uma página de mães, mas há uma coisa que tenho a certeza: as birras seriam ainda maiores se não houvesse pais, e se os pais não se tivessem transformado nos melhores dos avôs.

Avôs que não se limitam (o que já não seria pouco) a apoiar as avós, ajudando-as na logística que implica, por exemplo, ficar com os netos em casa, ir buscá-los à escola e levá-los a mil atividades, como fazem tantos, mas que também são avôs com uma relação direta e profunda com os netos. Avôs que os netos elegem, em pequenos e ao longo da vida, como referência, com os quais vivem momentos que ficam para sempre na memória. Pessoas a quem vão recorrer em alturas de dúvidas e aflição, porque sabem que discretamente e sem ondas os vão aconselhar, e até ajudar a desenvencilhar-se dos problemas, sem tantos juízos e sentenças a que as avós não resistem.

Ana, sabes aquela frase que diz que os netos podem ser uma segunda oportunidade, uma segunda oportunidade de corrigirmos os erros que fizemos enquanto pais? Normalmente não gosto da ideia, mas estive a pensar melhor e parece-me que se aplica a muitos avôs que, na fase da vida profissional em que se encontravam quando os filhos nasceram, não os viram realmente crescer, e talvez tenham sido pais um bocadinho marginais ao seu dia a dia, mas que agora, com mais tempo, podem dedicar-se aos filhos dos seus filhos com uma intensidade completamente diferente. E, com isso, descobrirem em si mesmos uma paixão pelas crianças, um prazer em estar com elas, em ter uma palavra a dizer sobre tudo o que lhes diz respeito, que desconheciam. Porque nestas coisas de ser pai ou mãe, na variante avós, como aliás em todas as outras coisas na vida, só quando mergulhamos mesmo nelas é que percebemos tudo o que nos podem dar.

Desculpa, esta carta já vai longa, e imagino que a tenhas lido entre encher braçadeiras (sempre tiveste mais pulmões do que eu!), preparar sanduíches, e negociar umas tantas birras. Espero que encontres uma clareira para me responder, mas se não conseguires, trata mas é de vir depressa, que estou ansiosamente à tua espera.

Mummy


Querida Mãe,

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Também temos tantas saudades. Já estamos a contar os dias! Ontem uma das miúdas disse-me: “Mãe, eu não vou parar de chorar quando um dos nossos avós morrerem”. Fiquei tão comovida com a força desse amor e da intensidade da relação dos netos com os avós. Fico doente quando os pais, por divórcio ou por “zangas” com os sogros, privam os filhos dessa relação. Mas concordo consigo, hoje devemos focar-nos nos avós que usam um “chapeuzinho” ^ no nome.

Acho que, para muito deles, não só os filhos muitas vezes surgiam numa altura em que estavam a trabalhar muito, como a verdade é que era muito menos aceitável e esperado que um homem se envolvesse no dia-a-dia das crianças. Fez-me pensar como às vezes ficamos todos tão concentrados a reivindicar (e bem) que as mulheres precisam de apoio, que as mulheres têm igual direito de ir trabalhar e de não terem que ser as cuidadoras a 100% dos filhos, que acabamos por atacar os homens como se fossem os grandes causadores desse desequilíbrio, esquecendo-nos que a maior parte dos homens foram também vitimas dessa estrutura mental e social!

Que, mesmo que alguém os tenha deixado brincar às bonecas e que dentro deles sentissem aquela luz quente que se acende em nós quando cuidamos de um bebé, é bem provável que a tenham recalcado o mais possível como sendo uma coisa inadmissível de sentir. Talvez muitos avôs sintam agora esse chamamento em relação aos netos e, como a sociedade já o permite – ou então só porque já acreditam que não têm idade para apagar as luzes que sentem por dentro! –, se entreguem a eles de corpo e alma.

Parece-me que a mãe tem toda a razão quando diz que a relação com os miúdos é uma coisa extraordinária e que nos enche de amor, mas que vista “a frio” parece o trabalho mais ingrato do mundo, algo de que apetece fugir. É tão bom que a maior parte dos avôs – incluindo os dos meus filhos —, saibam mergulhar dentro da bolha em vez de ter que assistir de fora, e perder o melhor. Viva os Avôs! Foi também por sentir que os Avôs apareciam tantas vezes em segundo plano que numa música que escrevi para o projeto Retratos Contados, que visa exatamente celebrar as relações entre avós e netos, que decidi conscientemente colocar como título da música Vamos ao AVÔChegou a ouvir? Aqui vai: https://www.facebook.com/watch/?v=264079868120127

Beijinhos!!!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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