Close Enough: o que fazemos quando a vida nos diz que já não temos idade para isto?

Sitcom familiar com uma dose considerável de surrealismo, a nova série de animação do criador de Regular Show tem que ver com aquela altura da vida em que, sem que tivéssemos dado por isso no caminho, de repente já somos crescidinhos e temos de ser adultos responsáveis.

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A série de J.G. Quintel foi originalmente criada para a TBS em 2017 mas só saiu agora, pela HBO Max DR

Josh e Emily têm 30 e poucos anos. Não são velhos, mas, findos os seus moderadamente loucos 20 anos, sentem que os dias mais alegres e descomprometidos já ficaram para trás. Ou seja, estão a passar por uma prematura crise de meia-idade. Já não conseguem sair à noite sem ficarem cansados pelas 21h30 e já não são capazes de passar os tempos livres sem fazerem os complicados cálculos das contas ao fim do mês. Os seus empregos são relativamente mundanos. Josh queria ser um criador de vídeojogos, mas teve de abdicar do sonho em troca de (alguma) estabilidade financeira, necessária para sustentar a filha, Candice. Não que as rendas impiedosas de Los Angeles permitam grandes extravagâncias: o casal tem de partilhar um duplex com os seus melhores amigos, Alex e Bridgette, um professor universitário e uma pseudo-socialite que estão divorciados. Não era esta a vida com que haviam sonhado na adolescência, mas para já serve. Close Enough, a nova série de animação do criador J.G. Quintel, o autor do clássico de culto Regular Show, tem que ver com aquela altura da vida em que, sem que tivéssemos dado por isso no caminho, de repente já somos crescidinhos e temos de ser adultos responsáveis. Com o pequeno senão de que ninguém nos preparou para isso.

Close Enough passou algum tempo na gaveta. Originalmente, a série foi escrita em 2017 para a TBS, que nessa altura queria incorporar na sua grelha um bloco dedicado a projectos de animação com conteúdo para adultos. A principal aposta do canal seria The Cops, uma série que estava a ser desenvolvida pelo comediante Louis C.K., mas os planos esfumaram-se quando as notícias sobre os escândalos sexuais do humorista vieram a público. The Cops não saiu do papel e Quintel teve de esperar no purgatório. Mas não foi uma espera com efeitos catastróficos: finalmente lançada em Julho pela HBO Max, Close Enough parece hoje um registo autobiográfico do animador e argumentista, actualmente com 37 anos (não é nada acidental que Quintel empreste a sua voz – e o seu penteado – ao trágico-cómico Josh). A irreverência alucinada de Mordecai e Rigby, os inseparáveis compinchas de Regular Show, deu lugar aos dilemas existenciais de um conjunto de personagens que, apesar de ainda terem as idiossincrasias dos “eus” de 20 anos bem fresquinhas nas mentes, já têm de ser os adultos na sala.

Com produção da Cartoon Network Studios, e no campo aberto que é o streaming, Close Enough mantém-se fiel ao surrealismo clássico de Quintel em cada um dos seus oito episódios de vinte minutos – que, à excepção do último, essencialmente se dividem em duas histórias distintas. Esse surrealismo – dos palhaços que dispensam os balões e que fazem girafas a partir dos seus órgãos sexuais aos robôs maléficos que disparam lasers mortais, da discoteca que assassina pessoas com mais de 30 anos à realizadora louca que transforma cães em humanos para fazer semi-blockbusters – mascara um enredo que costuma ser típico de sitcoms familiares.

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Close Enough tem que ver com aquela altura da vida em que já somos crescidinhos e temos que ser adultos responsáveis. Com o pequeno senão de que ninguém nos preparou para isto DR

No primeiro episódio, Josh e Emily tentam ajudar Candice com um projecto da escola. Noutro, o casal procura aproveitar a noite livre para se libertar do habitual stress de todos os atarefados dias. São premissas simples, que se tornam complexas graças ao exuberante espectáculo de pirotecnia no pano de fundo, mas que nem precisariam de grandes distracções para causar impacto. O segredo de Close Enough está na honestidade, na forma sincera e despretensiosa como olha para os traumas e as inseguranças de quem não consegue afugentar o medo de que o tempo lhes está a escorregar das mãos com demasiada pressa. Há ideias que são fenomenais na sua ambição e execução – a vinheta em que Emily, desencantada com a vida e frustrada com o facto de não poder ter privacidade na sua própria casa, se encerra com a “família perfeita” numa sitcom, onde tudo é maravilhoso e nada de mal acontece, é uma das melhores da série, à boleia de efeitos visuais excelentes –, mas Quintel não é menos pertinente quando poupa nas palavras.

Efectivamente, a capacidade de síntese do criador é tão impressionante como a sua criatividade. Uma das histórias de Close Enough tem como base a feira medieval, desde sempre uma tradição para Josh e Alex – definitivamente um dos melhores personagens do núcleo duro, muito por culpa do trabalho de voz brilhante do actor Jason Mantzoukas. Passados todos estes anos, Josh mantém o mesmo entusiasmo juvenil pelo evento. Alex, que já perdeu o interesse há muito tempo, não tem problemas em trocar a feira por uma reunião com uma editora para tentar vender a ideia do seu novo livro. Os amigos chateiam-se, fazem birra e distraem-se com vários tipos de chantagem emocional antes da reconciliação. A idade para discutirem assim já lá vai, pensam. Ninguém os preparou para isto.

Close Enough é um caso de sucesso porque não é uma série demagógica e não deixa que as crises nas quais as suas estrelas mergulham se transformem em armadilhas de auto-comiseração extrema. J.G. Quintel simplesmente se diverte um pouco à custa daquele fatídico momento em que percebemos que, afinal, não vamos ser novos e descomplicados para sempre. Josh, Emily, Alex e Bridgette não são velhos; estão apenas crescidos. Mas só um pouco.

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