Pode um tweet desencadear uma guerra? Estudo alerta sobre riscos do Twitter na diplomacia

A popularidade do Twitter entre políticos, que o usam para comunicar rapidamente com as massas, anunciar decisões políticas e até criticar oponentes e estratégias internacionais, pode ter impactos negativos e levar ao agravamento de conflitos nacionais e geopolíticos.

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Trump é conhecido por usar o Twitter para criticar opositores políticos Leah Millis

Na semana passada, várias contas do Twitter de celebridades e executivos de topo -  como Bill Gates e Elon Musk -  foram pirateadas para promover um esquema em torno da criptomoeda bitcoin. Os criminosos tinham interesses financeiros, mas uma equipa de investigadoras da Kings College of London, no Reino Unido, a analisar o papel do Twitter em decisões políticas desde 2018, diz que o caso é prova do perigo da rede social para desencadear conflitos geopolíticos e mostra a importância de definir um código de boas práticas sobre como os políticos devem usar o Twitter durante uma crise.

“O ‘rapto’ de contas do Twitter que pertencem a oficiais de topo ou políticos pode dar origem a uma disrupção significativa da ordem se for bem orquestrada e planeada”, enfatiza ao PÚBLICO a investigadora Alexi Drew, uma das autoras do relatório Escalation by Tweet: Managing the New Nuclear Diplomacy (Agravamento por tweet: Gerir a nova diplomacia mundial) que foi publicado este mês pelo Centro de Estudos de Ciência e Segurança do Kings College of London.

O objectivo do estudo é alertar para os riscos de usar o Twitter para gerir crises diplomáticas numa altura em que a popularidade da ferramenta aumenta junto de políticos de todo o mundo que usam a rede social para comunicar rapidamente com as massas, anunciar decisões políticas e até criticar oponentes e estratégias internacionais. Foi financiado pelo Departamento de Defesa dos EUA que quer perceber o potencial do Twitter para precipitar um conflito nuclear.

“Os [riscos] existem em todas as redes sociais, mas o Twitter tem características únicas devido ao limite de caracteres das mensagens enviadas. Não se consegue construir uma mensagem diplomática subtil durante uma crise e em menos de 280 caracteres”, explica a investigadora Alexi Drew que também teme que ciberatacantes se possam aproveitar da forma como os políticos já comunicam no Twitter para simular crises políticas.

Irão vs EUA visto do Twitter

Em 2020, já há vários casos de crises políticas geridas através do Twitter. Um dos exemplos no relatório é o conflito entre o Irão e os EUA no começo de Janeiro. Em menos de duas semanas, três oficiais de topo nos EUA — o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, o Presidente Donald Trump, e o secretário de Defesa norte-americano, Mark T. Esper — enviaram 136 mensagens contraditórias ao Irão. Enquanto Mike Pompeo publicava tweets a mencionar conversas com líderes mundiais sobre os desejos dos EUA manterem a paz, Trump escrevia que os EUA tinham “os melhores militares e a melhor inteligência do mundo” e que os norte-americanos estavam preparados para responder.

“Da perspectiva iraniana, que tweets devem ser valorizados? Soma-se o facto dos EUA e do Irão não terem embaixadas no outro país, carecendo de um canal de comunicação para pedir clarificações”, lê-se no relatório.  “Um tweet que tem como alvo uma audiência doméstica, como forma de mostrar a liderança ou promover a imagem de um ‘homem forte’ pode ser interpretada como agressivo por uma audiência externa.”

Outros exemplos de tweets que podem escalar conflitos em época de crise incluem a famosa publicação de 2018 em que o Presidente dos EUA, Donald Trump, se referiu ao líder da Coreia do Norte como um “homenzinho-foguete” e disse que os EUA tinham um “botão nuclear” muito maior, ou o tweet de Janeiro de 2020 em que o líder supremo iraniano Ali Khamenei publicou uma fotografia do rosto de Donald Trump com a marca de uma mão na sua cara. Há ainda o exemplo da conta da embaixada da Rússia no Reino Unido que publicou uma imagem com um termómetro a alertar que as relações entre os dois países estavam a arrefecer, mas que a Rússia “não tem medo do frio”.

“Tweets que distorcem a barreira entre pessoal e profissional são um factor de risco. Alteram o tom do que é dito e fazem com que seja mais provável que o conteúdo seja mal interpretado”, sublinha a investigadora Alexi Drew. “Mensagens factuais, pouco emotivas, de contas oficiais são menos prováveis de representar uma ameaça.”

Este tipo de mensagens também são mais difíceis de replicar por bots (programas de computador que simulam o comportamento dos humanos nas redes sociais) que são frequentemente usados para semear a discórdia, e estão cada vez mais presentes nas redes sociais.

O estudo ainda não inclui tweets sobre a pandemia da covid-19 (as autoras dizem que é um tema sensível e que é importante não promover desinformação que circula no Twitter), nem sobre os protestos desencadeados nos EUA em resposta à morte do norte-americano George Flyod, vítima de violência policial. 

Enquanto não se define um guia de boas prácticas no Twitter, as autoras dizem que o melhor é evitar usar a rede social para gerir conflitos entre nações: “Para evitar escalar o conflito durante uma crise, parem de tweetar”, resumem as autoras.

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