Ministério da Saúde vai fiscalizar todas as entidades convencionadas com o SNS

Cada uma das administrações regionais de saúde ficará responsável por fiscalizar os prestadores de cuidados de saúde que realizam exames para o SNS. A criação do provedor do Doente é outras das medidas anunciadas como resposta às “amargas lições” retiradas do caso do bebé que nasceu com malformações no rosto.

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Depois de Rodrigo ter nascido com malformações graves no rosto, surgiram várias outras queixas contra o médico que realizava as ecografias Nelson Garrido (arquivo)

Para evitar a repetição de situações como as do bebé que, em Outubro de 2019, nasceu com malformações graves no rosto, num caso que já determinou a expulsão do obstetra que realizou as respectivas ecografias, o Ministério da Saúde decidiu auditar todos os estabelecimentos de saúde que prestam serviços ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). O grupo responsável pela elaboração do guião destas auditorias retomou a sua actividade no passado dia 17, depois da paralisação imposta pela pandemia, e o documento deverá ficar pronto até ao final do ano.

“O plano de fiscalização está a ser implementado e, porque implica visitas ao terreno, teve intercorrências como efeito da pandemia, mas é um plano que optámos por, aprendendo com esta circunstância e com as amargas lições que dela podemos retirar, estender a todas as outras administrações regionais de saúde”, anunciou a ministra da Saúde, Marta Temido, ouvida esta quarta-feira de manhã na Comissão Parlamentar da Saúde da Assembleia da República.

Além de ter comunicado “todos os factos apurados” neste caso do bebé de Setúbal “à procuradora-geral da República para efeitos de investigação criminal”, Marta Temido adiantou que quer ver criado o provedor do Doente e a inclusão nos conselhos disciplinares regionais da Ordem dos Médicos (OM) de “até um terço de membros leigos da sociedade, no sentido de obter uma maior transparência e um reforço da vigilância social”.

“Não esqueçamos que estamos perante delegações de competências do Estado em associações públicas profissionais que representam, não só os profissionais, mas, acima de tudo, o interesse dos cidadãos”, justificou Temido, admitindo também que na OM sejam criados “processos de revalidação ou recertificação das especialidades e competências médicas, que é algo que já existe noutras entidades semelhantes”, isto é, noutras ordens profissionais.

Obstetra está aposentado

Artur Carvalho, o obstetra que acompanhou a gravidez da mãe de Rodrigo, sem ter sido capaz de detectar quaisquer malformações, e sobre o qual pendiam na respectiva ordem 19 processos decorrentes de queixas apresentadas por utentes, foi aposentado do SNS no início de Julho e a Ordem dos Médicos determinou a sua expulsão, numa decisão que está, porém, suspensa pelo recurso apresentado pelo clínico.

Este escândalo expôs os atrasos crónicos na apreciação, por parte dos conselhos disciplinares regionais da OM, das queixas apresentadas por utentes suposta má prática. Por outro lado, percebeu-se que a clínica em que o médico realizava as ecografias funcionava como uma espécie de “barriga de aluguer” de outra clínica, essa sim com uma convenção estabelecida com o SNS, que facturava os procedimentos médicos ao SNS.

Extinta essa convenção, por despacho de Novembro de 2019, quase logo após o nascimento de Rodrigo, Marta Temido reconhece que este caso veio “mostrar as fragilidades do modelo regulatório” na Saúde. Mas descartou responsabilidades directas, até porque tanto as ordens profissionais como a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) dispõem de autonomia e independência legalmente reguladas. Quanto à ERS, “não se encontra sujeita a tutela governamental, não devendo por isso os membros do Governo dirigir recomendações ou emitir directivas para um organismo autónomo e independente”, como sustentou o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, durante a mesma audição. Quanto à OM, “é também matéria da Assembleia da República qualquer eventual iniciativa legislativa que vise o reforço do seu poder de supervisão”, descartou ainda Sales.

Confrontado pelos deputados com o facto de a ERS estar limitada na sua capacidade de fiscalização devido a limitações orçamentais, Lacerda Sales lembrou que, no final de 2015, havia 58 colaboradores na ERS “que actualmente conta já com 97”, o que traduz um reforço dos recursos humanos “que continuará a ser feito”. Do mesmo modo, e como reforçou Marta Temido, o orçamento anual daquela entidade reguladora aumentou dos 5,2 milhões de euros de 2015 para os actuais 9,4 milhões de euros. “Este aumento decorre de receitas próprias, que provêm das contribuições dos seus regulados, dado que todos os prestadores de cuidados de saúde, para o fazerem, têm de estar inscritos na ERS, mas também do alargamento de competências da ERS, já que a fiscalização das entidades convencionadas que estava localizada nas ARS passou para esta entidade”, enfatizou a ministra da Saúde, recusando que o caso deste bebé possa “minar a confiança” no SNS.

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