Cepticismo e “nuvens negras”. Partidos avisam que acordo da UE não resolve todos os problemas

Depois de cinco dias de negociações, o Conselho Europeu acordou um apoio no valor de 1,8 biliões de euros. Os partidos já começaram a reagir e fazem avisos.

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O acordo assinado pelos líderes europeus traduz-se num apoio de 1,8 biliões de euros Reuters/POOL

A assinatura do acordo no Conselho Europeu para retoma da economia comunitária conseguida na madrugada desta terça-feira está a levar os partidos a lançar vários avisos. Para o PCP, “não é positivo” para Portugal e o dinheiro que receber agora terá de ser pago “mais tarde”, afirmou o eurodeputado comunista João Ferreira. Já o PSD disse que o acordo é “bom para Portugal”. “É sempre melhor um acordo do que um não acordo”, considerou o deputado Duarte Marques. Mas avisou que o PSD estará “atento” à execução do plano. O BE diz que o futuro dirá se este é ou não um bom acordo (mas admite que poderia ter sido melhor) e teme “as nuvens negras”, o CDS quer saber como vai ser investido o dinheiro e o PS diz que esta é uma “oportunidade" para Portugal.

“O PSD vai estar atento. Disponibilizamo-nos e queremos fiscalizar e garantir que estas verbas são usadas para aumentar o crescimento do país e o desenvolvimento do nosso país”, declarou o social-democrata Duarte Marques, que espera que a verba europeia não sirva para tapar as despesas do Orçamento do Estado. “A bola está do nosso lado. Resta saber usar bem, não cometer os erros do passado e garantir que o dinheiro que vem para Portugal vai servir, de facto, para ajudar as pessoas, as empresas e as futuras gerações”, defendeu o deputado.

Em alternativa, o PSD defende que o país deve aproveitar as verbas para para “criar riqueza” e “corrigir as assimetrias” entre regiões e face aos outros países da Europa. “Verbas a fundo perdido não quer dizer ou não pode querer dizer que são verbas que vão para um fundo perdido”, contrapôs, apelando à sua “aplicação inteligente, faseada e em reformas estruturais”.

PS destaca salto histórico

O PS é o partido mais positivo e destaca o “salto qualitativo histórico” conquistado com a estreia da consagração do princípio da mutualização da dívida. O deputado e antigo ministro Luís Capoulas Santos distinguiu as soluções acordadas das determinadas na anterior crise financeira, afirmando que as conclusões do encontro são “felizmente, são muito positivas para Portugal, e são positivas também para a Europa”.

PCP diz que acordo é uma cedência

Por sua vez, o eurodeputado comunista foi crítico da forma como o Governo do PS conduziu a negociação, afirmando que o acordo é uma “cedência aos países que estão entre os principais beneficiários da integração, do mercado único, do euro”. Para João Ferreira, o acordo representa “uma cedência” e por isso “não é positivo para países como Portugal”. João Ferreira advertiu ainda que, neste acordo “há um corte nas verbas da coesão no quadro financeiro plurianual e nas verbas da agricultura”. Apesar de reconhecer que os cortes são “compensados com verbas do fundo de recuperação”, o eurodeputado comunista sublinhou a “natureza diferente, excepcional” e transitório deste mecanismo, dado que os “países pagarão mais tarde tudo o que receberem agora”.

João Ferreira alerta que os empréstimos “têm que ser pagos” e nota que as subvenções “serão pagas com descontos naquilo que o país teria a receber nos orçamentos posteriores a 2027”. 

CDS pede ao Governo “unhas” para gerir o dinheiro

Para o CDS, a prioridade é esclarecer qual o tipo de investimento que será feito com o financiamento. “O que os portugueses estão à espera, mais do que palavras retóricas ditas por gente engravata em Bruxelas é ver para quer e compreender como é que este dinheiro vai ser investido em Portugal e só ai será possível dizer se este foi ou não um bom acordo para Portugal”, considerou Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS. Os centristas dizem que o Governo “tem que ter unhas para tocar esta guitarra”.

O CDS rejeita um “programa de obras públicas de fachada” [o Governo planeia apostar nas obras públicas para estimular a economia] e defende que as prioridades devem ser injectar “liquidez na economia, fazer um choque de tesouraria nas empresas e iniciar um quadro de recuperação social para todos os portugueses que estão a passar dificuldades”.

BE preocupado com “mudanças de humor"

Para o BE, "há outro problema que é estrutural”, uma vez “as regras do semestre europeu mantêm-se em vigor” e isso se poderá traduzir em mais austeridade. "Poderemos ter neste pacote financeiro, ao virar da esquina, uma mudança de humor europeia que pode trazer de novo austeridade através de regras, por exemplo, de restrição de défice porque nós sabemos que a nossa dívida pública, com esta crise, disparou”, avisou o líder parlamentar bloquista Pedro Filipe Soares, temendo “as nuvens negras” no horizonte.

“Mais do que estarmos aqui a discutir se é bom, se é mau, eu creio que o futuro dirá que poderia ter sido muito melhor e que o prenúncio que ele abre para as futuras negociações europeias, em que na prática, quem é menos solidário acaba por ter uma maior vantagem em processos negociais, não é de todo um bom resultado, mas veremos no futuro”, afirmou.

Para já, face às perspectivas, este é um acordo “que frustra as suas expectativas: o dinheiro a fundo perdido é menor do que o esperado inicialmente, o dinheiro para o quadro plurianual é menor do que aquele que há um tempo o próprio Governo português dizia que era inaceitável”, disse.

PAN receia austeridade

Também o PAN teme o regresso da austeridade, uma vez que parte do valor reservado para Portugal será atribuído através de um empréstimo”, o que pode “aumentar a dívida do país, trazendo medidas de austeridade”. Por isso, o líder do PAN, André Silva, reforça que é importante planear receitas alternativas que vão buscar dinheiro “aos sectores que nunca pagaram a crise”.

O partido Livre considerou que o acordo ficou “aquém do desejado” para responder à crise “a uma escala verdadeiramente europeia”. Num comunicado enviado às redacções, o Livre sublinha que “as boas notícias, que são a emissão conjunta de dívida pela Comissão Europeia, são ofuscadas pela falta de ambição do plano (menos de 1% do PIB da UE anualmente)”.

O partido considera que a proporção entre empréstimos e subvenções “sai desequilibrada” uma vez que “o peso demasiado expressivo dos empréstimos limita significativamente as respostas nacionais à crise”.

Chega critica Europa a duas velocidades

Para André Ventura, do Chega, é positivo que Portugal vá receber um valor não muito diferente do inicialmente estipulado para a sua subvenção, mas critica “esta Europa em duas velocidades, em que há uma parte da Europa que não entende os problemas da outra parte da Europa e o facto de, ainda assim, o montante de subvenções ter ficado bastante abaixo daquele que estava previsto”, contrapôs.

O que diz o acordo?

Numa cimeira histórica, a segunda mais longa da UE, foi aprovado um quadro financeiro plurianual para 2021-2027 de 1,074 biliões de euros e um Fundo de Recuperação de 750 mil milhões, em que pouco mais de metade são subvenções.

Ao todo, Portugal vai arrecadar 45 mil milhões de euros em transferências nos próximos sete anos, montante no qual se incluem 15,3 mil milhões de euros em subvenções no âmbito do Fundo de Recuperação e 29,8 mil milhões de euros em subsídios do orçamento da UE a longo prazo 2021-2027.

Do Fundo de Recuperação, 390 mil milhões de euros serão atribuídos em subvenções (transferências a fundo perdido) e os restantes 360 mil milhões em forma de empréstimo. O primeiro-ministro, António Costa, considerou que o acordo obtido dá “um sinal de confiança” à Europa e a Portugal para a recuperação económica pós-pandemia de covid-19. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou que o pacote de retoma da economia é “um acordo forte”, que mostra que a “Europa está forte” e que “está unida”, lançando “um sinal de confiança”.

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