Benfica foi à Vila das Aves ouvir o silêncio dos inocentes

O Benfica até poderia ter chegado a um resultado mais volumoso, mas, nesta terça-feira, o futebol chegou a parecer secundário: havia, para os jogadores do Aves, uma luta pelo orgulho próprio, pelo respeito pelo clube e por darem nas vistas para o futuro – o futuro que lhes pagará as contas.

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Jogadores do Benfica festejam na Vila das Aves LUSA/JOSE COELHO

Na Vila das Aves há um grupo de bravos e intrépidos rapazes com vontade de jogar futebol, mesmo sem serem pagos para tal. Não são mais do que meros inocentes na teia de bizarria que é o futebol português. Nesta terça-feira, o Benfica foi ouvir o silêncio desses inocentes, que pouco mais puderam fazer do que começarem por estar um minuto parados no relvado, em protesto, enquanto o Benfica trocava a bola, e, depois, sobreviverem durante apenas quatro minutos até sofrerem o primeiro golo. E perderam por 0-4. Em silêncio.

O cenário que envolveu o Aves-Benfica trouxe uma equipa bem preparada, apetrechada e tranquila – os lisboetas –, e uma equipa nortenha cujo plantel está “esfrangalhado” por rescisões unilaterais, cujos jogadores chegaram ao estádio a pé – uma imagem que roçou a humilhação, depois de terem desaparecido as chaves do autocarro –, que pouco treinaram durante a semana, que não recebem salários há mais de três meses e que, a menos de 24 horas deste jogo, não sabiam se poderiam entrar em campo. Este é o desenho do futebol português fora do relvado.

E foi neste turbilhão de episódios inéditos que o Benfica, dadas as circunstâncias, fez o que lhe competia: ganhou. Ganhou num jogo globalmente fraco, lento e mal jogado, até porque, matematicamente, para pouco ainda contava no campeonato: o Aves está condenado a descer, o Benfica está condenado a não ser campeão.

Depois de terem estado um minuto parados, no início do jogo, os jogadores do Aves, algo adormecidos, deixaram-se apanhar na profundidade. Pizzi (13.ª assistência para golo na Liga – ninguém tem mais) lançou Rafa e o internacional português correu, correu, correu e finalizou perante Sheytanov.

Apesar de ter tudo para de desmoronar a partir daqui, o Aves mostrou uma postura interessante. A equipa misturou momento de pressão mais alta, “abafando” a construção “encarnada”, mas dando espaço nas costas da defesa – aproveitado pelo Benfica no golo –, com momentos de bloco baixo. Em termos estratégicos isto pode ter mostrado algum desnorte, mas, na prática, funcionou.

A equipa obrigou o Benfica a procurar muitas variações no seu jogo, em vez de apostar numa só via, eficaz, de ferir o Aves. Nem sempre houve profundidade para explorar e nem sempre houve espaço para construírem com tranquilidade.

Ainda assim, os “encarnados” dominaram amplamente o jogo, como se esperava, e, apesar do ritmo lento – normal de quem pouco quer do que resta do campeonato –, somaram um trio de oportunidades: Vinícius aos 15’, Chiquinho aos 19’ e Florentino aos 36’.

Na segunda parte, o Aves começou a denotar algumas dificuldades físicas, bem patentes na pior reacção à perda da bola, à falta de frescura para sair para o ataque e até no número de erros técnicos básicos. E o Benfica foi aproveitando.

Os “encarnados” tiveram uma oportunidade clara aos 48’ – Vinícius, de baliza à mercê, falhou o cabeceamento de forma estranha – e, dois minutos depois, Bruno Morais usou a mão para impedir um remate de Pizzi de ir na direcção da baliza do Aves.

Houve penálti e houve 18.º golo de Pizzi na I Liga – é o melhor marcador. E houve, minutos depois, estreia do jovem Gonçalo Ramos no Benfica, fazendo-o com um bis: boas finalizações aos 87’ e aos 90+2’.

O Benfica até poderia ter chegado a um resultado mais volumoso – Vinícius permitiu defesa a Sheytanov aos 62’ e Pizzi falhou uma oportunidade flagrante aos 71'–, mas, nesta terça-feira, o futebol chegou a parecer secundário: havia, para o Aves, uma luta pelo orgulho próprio, pelo respeito pelo clube e por tentarem, individualmente, dar nas vistas para o futuro – o futuro que lhes pagará as contas.

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