Plano de Recuperação Económica, mas para quem?

Por entre um emaranhado de palavras importadas, Costa e Silva propõe o plano do costume: uma recuperação económica que favorece a banca e as empresas, insistindo na “reindustrialização” e na “competitividade”, enquanto utiliza termos da justiça climática como “transição energética” para os revestir de greenwashing.

Foto
Manuel Roberto

Como se já não bastasse a evidente insuficiência das políticas do Governo face à crise climática, o escolhido para elaborar um plano de propostas para a recuperação económica do país nos próximos anos é o director executivo de uma empresa petrolífera com negócios em todo o mundo.

Recentemente, foi revelado o Plano de Recuperação Económica, elaborado por António Costa e Silva. Ao longo das dezenas de páginas, o director executivo da Partex defende com entusiasmo as suas propostas de resgate ao lucro, às empresas e à banca, explicitando num discurso incoerente a sua determinação a levar-nos rumo ao caos social e climático.

No “brilhante” plano, Costa e Silva reconhece a ameaça da crise climática e promove termos como “transição energética” e “descarbonização”. No entanto, e como já nos temos vindo (erradamente) a habituar, estas bonitas palavras são incongruentes com as propostas escritas pelo gestor petrolífero. Numa clara tentativa de usurpar destes termos os seus verdadeiros significados, Costa e Silva recomenda ao Governo o avanço do aeroporto do Montijo, a mineração no mar dos Açores, a construção de um gasoduto a partir de Sines e a expansão dos portos para aumentar a competitividade, entre outros. Algo não bate certo? É porque não está mesmo: é fácil perceber que estes projectos irão contribuir para o aumento de emissões. A ciência é clara ao dizer-nos que temos de reconverter aqueles que já existem e parar imediatamente todos os novos planos que contribuam para a crise climática.

Talvez (e talvez não seja por acaso) Costa e Silva desconheça o que nos diz a ciência. No Plano, afirma que “(...) é vital reduzir até 2040 o consumo de carvão em 40%, reduzir em 15% o consumo de petróleo e aumentar o consumo de energias renováveis em 40%”. Se o mundo tem de cortar 50% das emissões até 2030, estas metas não só não mostram qualquer tipo de ambição ou vontade política, como expõem os seus interesses em manter os negócios sujos.

Talvez (e, mais uma vez, talvez não seja por acaso) o director executivo da Partex corresponda exactamente ao rumo tomado pelo Governo face à crise climática, numa política que consiste na auto-congratulação por medidas ainda medíocres. Ao mesmo tempo que este último se promove, permite a exploração de fósseis no território (proibição chumbada no Parlamento com o aval do PS); a manutenção dos planos do aeroporto; e o resgate de 1200 milhões à TAP, descurando a oportunidade para o investimento e electrificação dos transportes ferroviários no país.

Tudo isto numa altura em que, segundo um estudo publicado no Nature Scientific Reports, o nível de CO2 na atmosfera está a chegar perto de um valor nunca antes visto em 15 milhões de anos. Não só a crise climática provocada pelo sistema extractivista nos ameaça mais do que nunca, como o abano desse mesmo sistema com a crise do coronavírus está e vai deixar milhões na precariedade, no desemprego e na pobreza, produzindo convulsões sociais fortes.

Por entre um emaranhado de palavras importadas, Costa e Silva propõe o plano do costume: uma recuperação económica que favorece a banca e as empresas, insistindo na “reindustrialização” e na “competitividade”, enquanto utiliza termos da justiça climática como “transição energética” para os revestir de greenwashing. Em falta ficou o aprofundamento de propostas para habitação digna, condições de trabalho justas, democracia na produção e distribuição de energia e, acima de tudo, um verdadeiro plano para os serviços públicos.

O Plano de Recuperação Económica foi, assim, desenhado para recuperar o lucro, em consonância com a dedicação do status quo em manter o mesmo modelo de sempre. A vontade política dos decisores, algemada aos bancos e às grandes empresas, está do lado oposto a uma nova configuração social mais justa. Até quando vamos deixar que este seja o rumo imposto?

Sugerir correcção
Comentar