Pobre Alentejo, pobre Torrão

A história e o património desta Vila do Torrão têm sido delapidados ao longo dos tempos, ao sabor da ideologia da época.

A Vila do Torrão é de passagem obrigatória para quem utiliza a estrada nacional n.° 2, como fez António Costa no verão passado e Mário Centeno este ano.

Embora seja a maior freguesia em área, tem apenas uns escassos 2000 habitantes, maioritariamente idosos, pobres e iletrados, os quais, nas suas habituais conversas, contabilizam o número de mortos em cada inverno rigoroso.

Os sucessivos governos há muito que abandonaram o interior do país.

Com a sua experiência e sabedoria de uma longa vida vivida, os alentejanos não se queixam porque sabem que não vale a pena. Afirmam sabiamente “nã é que a gente nã saibamos, nã é que a gente nã queiramos, nã é que a gente nã possamos, mas as coisas é o que é”.

Os partidos políticos hegemónicos no Alentejo, PS e PC, guerreiam-se pelos lugares e benesses que o poder autárquico lhes confere. Os habitantes estão fora desse cálculo e dessa ganância.

Em Alcácer do Sal o PS está dividido há anos, revelando uma enorme incompetência na escolha de um líder capaz, deixando ao PC a hegemonia política neste concelho.

Os torranenses alternam o seu voto entre uns e outros, sem qualquer êxito para a melhoria da sua qualidade de vida, até desistirem das queixas e dos votos.

A história e o património desta Vila do Torrão têm sido delapidados ao longo dos tempos, ao sabor da ideologia da época.

O bairro jesuíta dos Castelos foi totalmente destruído pela Inquisição, não ficando nenhum resquício de uma sábia cultura, berço do poeta Bernardim Ribeiro. No seu passeio de veraneante culto, António Guterres bem podia inquirir na terra, por este sítio dos Castelo. Nem uma pedra encontrou.

Nesse mesmo local dos Castelos, no centro da Vila, em frente à Igreja da Matriz, o Estado Novo edificou um gigantesco depósito de água.

A democracia também não ficou atrás e instalou aí uma torre de telecomunicações (antiga PT), nessa zona habitacional e central da Vila. Quando a potência da antena aumenta, as baixas frequências emitidas não deixam dormir os vizinhos. Naturalmente que a Anacom e a autarquia de nada sabem.

Durante os anos quentes do pós 25 de abril, o convento das Clarissas da Igreja católica, com 500 anos de existência, foi inexplicavelmente vendido a privados. A autarquia nunca quis, nem quer, exercer qualquer direito de preferência.

Hoje voltámos ao tempo do poder dos antigos Regedores do Estado Novo.

Nesse tempo o Sr. Regedor podia mandar tirar o pelourinho da terra, em frente da Igreja da Misericórdia, e construir a sua casa até à porta principal do templo. O pelourinho partido e selado foi então colocado ao lado, no actual Largo do Cruzeiro.

O antigo coreto em ferro forjado da praça principal (Bernardim Ribeiro) foi retirado e desmantelado ficando a praça com uma bomba de gasolina aí instalada e só removida em anos recentes.

Actualmente, os senhores Regedores têm outro nome, mas os atentados ao património continuam.

Dois grandes proprietários agrícolas construíram recentemente, três açudes sem comporta, no leito da ribeira do Xarrama, para seu uso particular. Durante o verão, este recurso hídrico da Vila do Torrão deixa de existir. Os poderes central e local de nada sabem, naturalmente.

As consequências para o volume de água na albufeira da Vila, da barragem Trigo de Morais (Vale de Gaio), são evidentes e graves, originando a invasão por jacintos de água e reduzindo a oxigenação e os peixes, tal como foi denunciado no jornal PÚBLICO (12 junho 2020).

Mas a causa dos desastres ambientais na Vila do Torrão tem origem institucional, o que é sempre omitido.

A empresa de desenvolvimento e infra estruturas do Alqueva (EDIA) faz transvases de água e, quando necessita, capta a água das albufeiras do Alentejo. Depois pede desculpa pelo erro, quando este dá origem a um desastre ecológico, com a morte de duas toneladas de carpas. Por duas vezes este desastre ambiental ocorreu na albufeira do Torrão. Naturalmente que a fiscalização, central e local, de nada sabe.

Há cerca de três anos, uma reportagem do jornal PÚBLICO estimava em 40% a capacidade da água armazenada nas albufeiras ligadas ao Alqueva e de cerca de 80% naquelas ainda não ligadas, da bacia do Sado. O repórter não tirou ilações desse facto.

Recentemente, a população do Torrão indignou-se em abaixo assinado, com a plantação de um olival em cultura intensiva, junto à Ermida de Nossa Senhora do Bom Sucesso, um ex-libris do séc. XVIII. Porque estava junto a um caminho público e a 50 metros das novas habitações da vila, as autoridades decidiram então mandar recuar de alguns metros a dita plantação intensiva, apesar de a mesma estar proibida por cinco directivas europeias.

É raro o dia que não haja quebra no sinal da televisão digital terrestre, TDT, com os seus escassos sete canais gratuitos. A população pobre do Torrão não tem meios para pagar os caros (e maus) contratos de telecomunicações. Naturalmente que a Anacom não sabe de nada.

Há anos que a ETAR da Vila do Torrão não funciona, desde que passou das mãos da autarquia para a gestão das águas do Alentejo, com um contrato sumptuoso. A minha queixa sobre esta falha de funcionamento teve uma resposta de agradecimento, passado um ano!

Devido ao sistemático corte de água na rede de distribuição, a autarquia decidiu (e bem) renovar toda a canalização de água e esgotos, em dezenas de ruas da zona histórica da Vila do Torrão. Lamentavelmente não aproveitou tal obra para colocar a necessária fibra óptica.

Mas as dezenas de ruas desta zona histórica da Vila eram e sempre foram calcetadas, com pedras de basalto não aparelhadas. A autarquia resolveu substituí-las colocando lajetas de granito escuro juntamente com calçada do mesmo material. Esta decisão, de profunda alteração da paisagem urbanística da zona histórica, foi tomada sem o conhecimento da população do Torrão.

Que ninguém me fale em regionalização!

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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