A covid-19 chegou a Idlib e os hospitais não estão preparados

Há pelo menos 11 casos de SARS-CoV-2 no último reduto da oposição a Bashar al-Assad, onde vivem milhares de pessoas em tendas e casas improvisadas. Disseminação do vírus pode ser a machadada final no precário sistema de saúde da província.

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Campo de deslocados na localidade de Maarat Masrin, em Idlib Reuters/KHALIL ASHAWI

Os receios confirmaram-se e na semana passada registou-se o primeiro caso de covid-19 na província síria de Idlib, um dos últimos redutos da oposição a Bashar al-Assad, controlado por rebeldes e grupos jihadistas, e uma área densamente povoada, com milhares de pessoas a viverem em condições precárias.

O primeiro infectado com coronavírus foi um médico de 30 anos que trabalha num hospital junto à fronteira com a Turquia e que apresentava tosse e febre. O teste deu positivo e no dia seguinte foram diagnosticados mais três casos – dois médicos e uma enfermeira do mesmo hospital. Segundo os dados recolhidos pelo Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), organização com sede no Reino Unido, mas com uma rede de activistas espalhados pela Síria, há pelo menos 11 infectados, incluindo alguns alguns civis.

Teme-se agora que o contágio cresça abruptamente e o coronavírus se espalhe pelos campos que albergam milhares de deslocados internos. “Eu, a minha mulher e os nossos dois filhos fizemos uma quarentena na nossa tenda durante várias semanas, lavávamos as mãos cinco vezes por dia. Um mês depois, tornou-se difícil continuar. Temos de regressar à normalidade”, afirmou à Al-Jazeera Ibrahim Darwish, que vive numa tenda com a família no Norte de Idlib e que, como milhares de outros sírios deslocados, precisa de sair para ganhar dinheiro para comprar comida. “Temos medo que isto [a covid-19] chegue aos campos. Seria um desastre”, rematou.

Desde o início da pandemia, a Síria registou, oficialmente, 477 casos de SARS-Cov-2 e 22 mortes causadas pela doença. No entanto, activistas no terreno e organizações de defesa dos direitos humanos acreditam que o número seja muito superior, tendo em conta que são realizados poucos testes. 

De acordo com a organização não-governamental Save the Children, até final de Junho, apenas foram realizados 1661 testes na província que faz fronteira com a Turquia e existem apenas 153 ventiladores e 148 camas disponíveis para tratar quem tenha de ser hospitalizado. 

“O primeiro caso de covid-19 no Noroeste da Síria é um grande golpe para milhões de civis, principalmente mulheres e crianças, que vivem nesta área. Agora, mais do que nunca, as armas devem ficar em silêncio, o cessar-fogo deve ser mantido e todos os esforços devem virar-se para a ajuda e a resposta ao nível de saúde”, afirmou em comunicado a responsável da Save the Children na Síria, Sonia Khush.  

Sistema de saúde “de joelhos"

A província de Idlib é o último reduto de resistência a Bashar al-Assad e tem sido o refúgio daqueles que são obrigados a fugir do regimeNo início deste ano, as forças leais a Assad, apoiadas pela Rússia, lançaram uma ofensiva para conquistar a província aos rebeldes, bombardeando pelo caminho escolas e hospitais. A Turquia respondeu, agravando ainda mais o conflito em curso, e pouco depois foi assinado um cessar-fogo que, contudo, serviu de pouco para quem não consegue regressar a casa

Nos últimos anos, a população de Idlib mais do que duplicou para três milhões de pessoas, e mais de um milhão vivem numa pequena área junto à fronteira com a Turquia, em tendas e habitações provisórias sem condições, sendo 80% mulheres e crianças, segundo as Nações Unidas.

A situação ainda se pode agravar mais nos próximos tempos devido à dificuldade em fazer chegar ajuda humanitária, como comida e medicamentos, à província. Na semana passada, a Rússia e a China vetaram uma proposta das Nações Unidas para renovar o envio de ajuda através de dois corredores humanitários com origem na Turquia.

Agora, passa a haver apenas um corredor disponível e com o sistema de saúde de Idlib no limite, a disseminação da covid-19 pode significar o colapso absoluto dos hospitais. 

“Depois de nove anos anos de conflito e de ataques direccionados a hospitais e equipas médicas, o sistema de saúde, particularmente no Noroeste, está de joelhos”, afirmou Vanessa Jackson, representante da ONU na Care International, ao site Vox. “Se houver um surto significativo, não há médicos e profissionais de saúde suficientes, muito menos acesso a unidades de cuidados intensivos ou ventiladores”, alertou.

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