Universidades em Portugal: o tamanho importa?

A discussão da rede de ensino superior em Portugal, num cenário de recursos escassos, prestação de contas da gestão pública e decréscimo demográfico não pode ser (outro) tema tabu no nosso país!

Num tempo em que a crise económica se instalará devido à pandemia, cabe refletir sobre os investimentos e despesas públicas, a sua eficiência e o seu contributo para a equidade, entenda-se justiça social. Hoje e porque se aproximam as candidaturas ao ensino superior, escreverei sobre a rede de ensino superior em Portugal.

Desde há muito que existem estudos sobre a relação entre a dimensão das universidades e a sua qualidade com conclusões diversas e há no mundo muito boas pequenas universidades, bem como relativamente más grandes universidades. É também de salientar que a qualidade de uma universidade é um conceito complexo e que pode ser abordado de diversos ângulos, sendo até possível pensar na qualidade como a percepção dos estudantes que estudam numa dada instituição.

Mas concentremo-nos no caso português e em factos objetivos e portanto passíveis de contraditório! Foram recentemente conhecidas as mais recentes edições dos mais conceituados rankings de universidades: o de Shangai e o Qs. De notar que estes rankings são os (talvez únicos) que não estão dependentes de dados fornecidos pelas próprias instituições. O leitor pode facilmente aferir das metodologias destas listagens acedendo às respetivas páginas na Internet. Certo que muitas instituições em Portugal usam para fins de publicidade outras listagens cuja credibilidade deixa muito a desejar, mas cuja discussão não tratará este texto.

Muitos dos argumentos usados neste texto aplicar-se-iam, com as devidas adaptações, à rede de institutos politécnicos. Porque nenhum deles consta em nenhum destes rankings e por simplicidade de exposição, a análise dessa rede não se enquadrará aqui.

Em ambos os rankings, entre as universidades públicas portuguesas constam as de Lisboa, Porto, Nova de Lisboa, Coimbra, Minho e Aveiro. Estas são as maiores universidades públicas portuguesas, pelo que existe em Portugal uma correlação entre a dimensão e a qualidade medida por estes rankings. Mas seria inevitável que nenhuma das pequenas universidades portuguesas se encontrasse nestes rankings? Obviamente que não! Noutros países não é assim. Dou apenas um contra-exemplo de entre muitos que se poderiam encontrar. Nos EUA, o MIT com 11.000 estudantes está à frente de muitas universidades maiores. Poder-se-ia contra-argumentar, como muitos fazem, com o diferencial de financiamento público e/ou privado, com a dinâmica da região envolvente e muitos outros motivos, mas estaríamos a arranjar motivos para não pensar e reequacionar o sistema que custa recursos a todos e pode não ser o melhor para o país.

O facto a reter é que nenhuma das restantes universidades públicas portuguesas consegue um lugar nas 1000 melhores do mundo incluídas nestes rankings!

Desde a expansão do ensino superior em Portugal (a partir de 1973) o Estado criou as Universidades Aberta, Açores, Algarve, Aveiro, Beira Interior, Évora, Madeira, Minho, Nova de Lisboa, Trás-os-Montes, além do ISCTE e de Institutos Politécnicos em todas as (então) capitais de distrito, num cenário de expansão demográfica e tentativa de fixação de populações e melhoria das condições de vida em cidades de pequena ou média dimensão e em regiões de baixa densidade (periféricas).

Quase 50 anos volvidos sobre o início dessa expansão, cabe fazer uma análise desassombrada deste investimento público no cenário atual. Em abono de uma análise mais detalhada, algumas destas universidades pequenas e que não aparecem nos rankings acima citados conseguiram, no entanto, ter áreas de excelência (por exemplo reconhecidas pela FCT -- Fundação para a Ciência e a Tecnologia) que atribuiu a avaliação máxima a algumas das suas unidades de investigação – são exemplos disso as áreas científicas ligadas à biologia marinha nos Açores e Algarve.

No entanto, consegue-se também identificar universidades que depois de 30 anos de existência não conseguiram criar uma única área de excelência e permanecem sem um único centro de investigação avaliado como excelente pela FCT. Será que o investimento compensou?

Começando pela intenção principal da criação destas universidades, o desenvolvimento e fixação de população da região circundante, não se antevê nenhuma relação de causalidade entre o desenvolvimento das regiões e a existência destas universidades, além da despesa pública que é injetada todos os anos por sua via nessas regiões. Não houve efeito catalizador de atividade económica, nomeadamente de alta tecnologia, pela existência destas Universidades (como aconteceu, por exemplo, entre a Universidade de Stanford e o Silicon Valley). Dou apenas dois exemplos. Évora conseguiu captar investimento privado substancial na área aeronáutica mas a universidade não tem sequer essa valência. Por outro lado, a Covilhã, cuja universidade tem essa valência, não tem um único investimento privado de relevo na aeronáutica. O Algarve continua a ser uma região especializada no turismo como era antes da universidade e a região da Covilhã especializada no têxtil como era antes da universidade.

Adicionalmente, como se viu e exceptuando as áreas de excelência atestadas pelas avaliações da FCT quem nem constam em algumas destas instituições, elas globalmente não contribuem decisivamente para o sistema científico e tecnológico nacional.

Um fenómeno mais contemporâneo de expansão do ensino superior deu-se com as criações de novas Faculdades de Medicina no Minho, Covilhã e mais recentemente Algarve. A qualidade relativa destas instituições pode ser aferida objetivamente pela avaliação das unidades de investigação a que estão associadas. Destas três instituições, a melhor classificação foi de Muito Bom relativa à unidade de investigação da Universidade do Minho. Estes factos tendem a comprovar o argumento (numa área tão sensível como a da Medicina) segundo o qual o investimento público no ensino superior tem que ser bem equacionado e avaliado.

Mas dir-se-á, as cidades com universidade estão hoje mais desenvolvidas do que antes da sua criação! Sem dúvida, mas o efeito seria (pelo menos) o mesmo se o Estado tivesse transferido o montante dos orçamentos anuais das universidades (que ronda os 170 milhões de euros anuais) para o rendimento das famílias residentes nessas regiões, subsidiando-as.

O único critério para que os contribuintes possam avaliar positivamente o investimento nestas instituições é que o retorno para a sociedade seja positivo. Isto aconteceria se uma melhor afetação de recursos públicos, mesmo que exclusivamente dedicados às regiões onde estão inseridas, não fosse possível. Há obviamente várias formas de avaliar esse retorno, cujo detalhe se evita aqui.

O pais, num cenário de decréscimo populacional e de capacidade instalada em maiores e melhores instituições, tem que equacionar este investimento e exigir das instituições mais pequenas que contribuam para o todo nacional. Aliás, esta não é uma ideia nova. Miguel Poiares Maduro tentou que estas universidades se especializassem com centros de competência em áreas específicas, uma iniciativa cujas implementação e qualidade terão que ser avaliadas no futuro. Outra ideia que caiu no esquecimento dos políticos foi o reequacionamento da rede através de fusões (entre universidades e entre universidades e politécnicos) que permitisse racionalizar recursos e ganhar escala. Perdeu-se a iniciativa no meio dos interesses instalados nas instituições. De facto, estes são os dois caminhos possíveis e inevitáveis se queremos contribuir para uma maior competitividade global do sistema e para uma melhoria do serviço que o mesmo presta à sociedade portuguesa. Ou as pequenas instituições se especializam em áreas e se tornam excelentes nessas áreas ou se reorganizam de forma a não desperdiçar recursos humanos e financeiros e com isso ganham escala.

A discussão da rede de ensino superior em Portugal, num cenário de recursos escassos, prestação de contas da gestão pública e decréscimo demográfico não pode ser (outro) tema tabu no nosso país!

Nota: este é um artigo de opinião. As opiniões expressas são portanto unicamente as do autor, sedimentadas pelo seu conhecimento do sistema e pela sua experiência profissional.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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