Casa Real espanhola tenta impedir que Felipe VI seja responsabilizado pelos erros do pai

Palácio da Zarzuela responde a ex-amante do rei Juan Carlos: “Felipe VI não tem nada a ver com as presumíveis manobras económicas do seu pai”, o rei emérito Juan Carlos, investigado por receber 65 milhões da Arábia Saudita.

Foto
Felipe e Letizia em Bilbau. Os monarcas estão a fazer um périplo pelo país para ver os efeitos da covid-19 EPA/LUIS TEJIDO

A Casa Real espanhola está a tentar proteger o monarca Felipe VI das manobras do seu pai, Juan Carlos, investigado por autoridades suíças e pelo Supremo Tribunal espanhol por ter recebido pelo menos 65 milhões de euros de um antigo monarca saudita, que escondeu na conta de uma fundação num banco suíço, dinheiro que doou depois à sua ex-amante e excluiu de qualquer herança, para não deixar rasto.

A ex-amante, Corinna Larsen, enviou uma carta em 2019 à Casa Real em que se referia aos actuais monarcas “para tentar envolver a instituição neste assunto”. A carta era dirigida também ao secretário pessoal da rainha Letizia.  

Larsen afirmava nessa carta que Felipe VI era o “segundo beneficiário” da Fundação criada por Juan Carlos para esconder verbas, entre as quais 65 milhões de euros da Arábia Saudita. E dizia ainda que o então príncipe Felipe tinha recebido um de dois Ferraris oferecidos pelo príncipe de Abu Dhabi à monarquia espanhola.

O objectivo da acção de Larsen, diz o diário El Mundo, era conseguir que o chefe da Casa Real ou algum representante de Felipe VI iniciasse um processo de negociação consigo, quando era ela própria investigada pela justiça suíça pelo seu papel de eventual testa de ferro de Juan Carlos, que abdicou do trono em 2014.

Mas a resposta que recebeu foi uma recusa total: “Nem Sua Majestade o Rei nem esta Casa vão designar qualquer representante legal para abrir um canal de comunicação para um processo de discussão ou negociação”, lia-se na carta, a que o diário espanhol teve acesso exclusivo.

Já antes em público o rei se tinha afastado dessa fundação e de outras suspeitas, e a Casa Real garantido que Felipe “desconhecia por completo e até hoje a sua suposta designação como beneficiário”.

O rei Felipe VI tem dado sinais de distanciamento do rei emérito e, em Março, anunciou ter recusado receber qualquer futura herança.

Debate-se a hipótese de Felipe decidir pela saída de Juan Carlos do Palácio de Zarzuela, residência da família real, e que este abdicasse de modo voluntário do título de “rei emérito”.

Mas, segundo o diário espanhol Público, Juan Carlos não põe de lado a hipótese de se afastar para impedir que o escândalo continue a contaminar a imagem da monarquia espanhola em geral e do seu filho em particular.

O escândalo actual pôs a família real sob um escrutínio sem precedentes, mesmo depois de outros casos polémicos como a controversa viagem de Juan Carlos ao Botswana para caçar elefantes em 2012, quando Espanha atravessava uma grave crise económica, ou ainda o caso de Iñaki Urdangarin, marido da infanta Cristina, irmã de Felipe, condenado em 2017 a uma pena de mais de cinco anos de prisão por vários crimes ligados a fraude e corrupção.

A constituição espanhola de 1978 protege a figura do rei, e ainda que o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, tenha afirmado que esta tem de “evoluir”, é muito pouco provável que haja algum consenso político para uma revisão constitucional.

Joaquín Urías, professor de Direito Constitucional na Universidade de Sevilha, diz que o Governo está a fazer “a única coisa que pode fazer, que é tentar separar Felipe VI do pai”, tal como a Casa Real. Em declarações ao britânico The Guardian, declarou que “é o mais inteligente a fazer para quem queira manter o sistema”. 

Sugerir correcção