Desde o início de Julho morreram mais 919 pessoas do que no ano passado. Calor é uma das razões

Em quinze dias morreram quase mil pessoas em Portugal, um aumento em relação a 2019 que pode ser explicado pela onda de calor e pelas falhas no acesso aos cuidados de saúde, motivadas pela covid-19. A DGS confirma um pico de mortalidade, mas não avança com causas para o número de óbitos que atingiu, esta terça-feira, um dos picos do ano.

Foto
Paulo Pimenta/Arquivo

Desde o início do mês de Julho e até ao dia 16, foram registadas mais 919 do que no período homólogo, disse esta sexta-feira Graça Freitas, directora-geral da Saúde, em conferência de imprensa, afirmado que “quase todos" os óbitos estão “relacionados com dias de intenso calor”. Olhando para os números até ao final de Maio, e comparando com os dos últimos cinco anos, verifica-se um aumento de 2189 mortes, sendo que 2050 destas eram explicadas pela mortalidade de covid-19 e pelo “pico de calor entre os dias 23 e 30 de Maio”.

Olhando para o mês de Julho, e a partir do dia cinco, “houve incremento na mortalidade que se continua a verificar”, afirma a responsável: mais 388 mortes do que no período homologo. A tendência manteve-se nos dias 15e 16 do mesmo mês. Os períodos de calor intenso, que não permitem o refrescamento das habitações são particularmente associados ao aumento da mortalidade entre os mais idosos e doentes, sendo claro um aumento da mortalidade acima dos 75 anos.

Também esta sexta-feira, o Jornal de Notícias avançou que entre o dia 1 e esta quarta-feira, 15 de Julho, morreram 4721 pessoas em Portugal, mais 673 do que no mesmo período de 2019 — um aumento de 17%. Pelo menos desde 2013 que não morriam tantas pessoas em Portugal nos primeiros quinze dias de Julho. Nesse ano, no total, morreram 5221 pessoas na primeira quinzena do mês. De acordo com o Portal da Vigilância da Mortalidade, da Direcção-Geral da Saúde (DGS), o dia com mais vítimas foi terça-feira, 14 de Julho, quando se registaram 396 vítimas. No ano anterior, por exemplo, tinham sido 254 no mesmo dia.

Este “pico de mortes” pode ser atribuído ao calor extremo que se tem feito sentir em todo o território nacional nas últimas semanas e às “falhas recentes nos acessos aos cuidados de saúde provocadas pela pandemia de covid-19, explica Jorge Almeida, director do serviço de Medicina Interna do Hospital de S. João, no Porto,​ citado pelo diário.

Em resposta ao jornal, a DGS confirmou o pico de mortalidade, mas não avança com nenhuma causa para os óbitos registados: “A análise dos dados preliminares aponta para um incremento do número de óbitos por todas as causas, em relação à média do quinquénio, no período homólogo”, lê-se na resposta da autoridade da saúde. E apenas 100 das mortes registadas nos últimos 15 dias podem ser atribuídas directamente à pandemia de covid-19, segundo os dados revelados diariamente pela DGS. 

O dia com mais mortes em Portugal este ano, até esta sexta-feira, aconteceu a 15 de Janeiro, quando morreram 426 pessoas. Já o segundo dia com mais vítimas mortais foi a 4 de Abril, no pico da epidemia de covid-19 no nosso país, quando morreram 421 pessoas.

Segundo um relatório de 2013 da DGS, vários estudos mostram que a mortalidade bruta aumenta no decurso de uma onda de calor e que certos grupos populacionais são particularmente vulneráveis a este fenómeno, entre estes os idosos, “os que vivem com más condições de habitação e os que sofrem determinados tipos de doenças”, como as doenças cardiovasculares, respiratórias crónicas, diabetes, alcoolismo e algumas doenças mentais.

No início da semana, em conferência de imprensa, Graça Freitas já tinha alertado para uma semana de calor. Na sua primeira intervenção da conferência desta segunda-feira, a directora-geral da Saúde chamou a atenção para as temperaturas muito elevadas desta semana e para as “noites tropicais”, situações que costumam estar associadas a maior “mortalidade”. A directora-geral da Saúde deixou um alerta para quatro grupos que são mais vulneráveis: crianças, idosos, as mulheres grávidas e pessoas doentes.

Para estes grupos, Graça Freitas disse que “convém não esquecer medidas básicas” como beber água ou sumos de fruta natural sem açúcar e evitar bebidas alcoólicas. “A água deve ser bebida mesmo que não haja a sensação de sede e isto é muito importante para as pessoas idosas, que muitas vezes não têm sensação de sede e devem ser ajudadas e incentivadas e apoiadas pelos familiares ou por quem os cuida para que bebam água”, referiu.

A directora-geral aconselhou também que se façam refeições leves, frias e espaçadas em várias vezes ao dia. O vestuário deve ser largo e deve cobrir a maior parte da pele e devem usar-se óculos de sol e chapéu. “Evitar esforços físicos demasiado grades, sobretudo em actividades ao ar livre. Os trabalhadores que trabalham no exterior hidratarem-se frequentemente, protegerem-se com roupa adequada, chapéus e óculos e evitar estar ao sol”, disse ainda a responsável da DGS, apelando também a uma moderação da “actividade física”.

Graça Freitas referiu também que os doentes devem ter a sua medicação em dia para que o calor “não descompense” doenças como diabetes, doenças cardíacas ou doenças pulmonares. “Muita atenção, vai ser uma semana muito quente. Esse calor vai ter influência na nossa saúde”, afirmou.

Números de 2013 quase ultrapassados

Sabe-se, assim, que o número de mortes desta primeira quinzena de Julho — 4738 mortes — se aproxima dos valores registado no mesmo períodode 2013 — 5221. Há sete anos, nesta mesma altura, foi registada uma onda de calor que vitimou quase 1700 pessoas​. Segundo um relatório da DGS sobre as temperaturas altas registadas entre 23 de Junho e 14 de Julho de 2013, o excesso de mortalidade verificado foi mais elevado nas mulheres (45%) em comparação com os homens (21%). Por grupo etário, apenas foi observado excesso de mortalidade significativo na população acima dos 75 anos de idade. Abaixo deste limiar da idade, foram observados excessos de mortalidade entre os 45 e os 74 anos.

Segundo o mesmo relatório, em Portugal continental foram registadas, nas últimas décadas, três ondas de calor de grande impacto, nomeadamente em 1981, 1991 e 2003. O efeito destas ondas de calor na mortalidade (excesso de óbitos) é conhecido. Em relação à onda de calor de Agosto de 2003, o excesso de óbitos foi estimado em 1953, semelhante ao estimado para a onda de calor de 1981 (1900 óbitos) e quase o dobro do que ocorreu em 1991 (1000 óbitos). Mais recentemente, em 2017, entre 17 e 20 de Junho, registaram-se 1352 mortes, mais 296 do que a média dos oito anos anteriores (de 2009 a 2016). O pico de mortalidade desse mês coincidiu com um período de onda de calor, mas também com os incêndios em Pedrógão Grande. Também em 2018 foi registada uma onda de calor que num só dia de Agosto provocou 450 óbitos.

O Portal da Vigilância da Mortalidade centraliza informação sobre os óbitos em Portugal, permitindo cruzar vários indicadores e obter, por exemplo, as causas específicas de morte. Os dados desta plataforma são actualizados a cada dez minutos. “Integrando dados do Instituto Nacional de Estatística e do SICO – Sistema de Informação dos Certificados de Óbito, a plataforma possibilita o cruzamento de dados para responder a perguntas como quais as principais causas de morte em Portugal ou como varia a taxa de mortalidade neonatal com a duração da gravidez ou com o peso à nascença”, lê-se no site da DGS.

Sugerir correcção