A presidência portuguesa da União Europeia em 2021

Na melhor das hipóteses, tudo se resolverá favoravelmente durante a presidência alemã, uma espécie de legado positivo da chanceler Merkel, e Portugal terá uma presidência relativamente tranquila.

Portugal terá a presidência da União Europeia no primeiro semestre de 2021 e, além disso, participa no “trio das presidências” que integra a presidência alemã no 2.º semestre de 2020 (1 de julho) e a presidência eslovena no 2.º semestre de 2021.

Cinco acontecimentos determinantes

Cinco acontecimentos marcarão profundamente a presidência portuguesa. Em primeiro lugar, uma 2.ª vaga da pandemia (eventual) no outono/inverno de 2020/2021. Em segundo lugar, uma queda apreciável do PIB nacional e europeu no final de 2020. Em terceiro lugar, o sucesso ou insucesso da presidência alemã para fechar o Programa de Recuperação Económica e o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para 2027. Em quarto lugar, o impacto geopolítico das presidenciais americanas em novembro de 2020. Por último, o impacto das negociações com o Reino Unido por causa do “Brexit”. O programa do Trio das Presidência (CE, documento n.º 8086/2020 de 5 de junho) está, portanto, todo ele prisioneiro do emaranhado de eventos com origem nestes cinco acontecimentos e nas suas sequelas.

A presidência portuguesa vista pela perspetiva europeia

Há uma certeza que, a esta distância, já podemos assegurar. Todos os programas e respetivos regulamentos estarão em vigor durante o ano de 2021, ou seja, durante os dezoito meses do trio das presidências em que participamos. E nesse mesmo ano de 2021 as presidências deveriam elaborar um documento de orientação sobre aspetos politicamente determinantes para a definição da condicionalidade europeia que acompanhará a execução dos programas nacionais de reformas (PNR) ao longo da década. E, mais relevante, uma política de condicionalidade que promova as grandes opções da União Europeia – o pacto ecológico, a transição digital, a reindustrialização, o mercado único de capitais, o pilar social europeu, os interesses e os valores da Europa no mundo – e não uma mera condicionalidade instrumental à maneira do pacto de estabilidade e crescimento e do tratado orçamental. Nesta linha de orientação, de uma condicionalidade mais estrutural e menos instrumental, as novas “regras de oiro” seriam relativas aos programas nacionais de reforma (PNR) cujo guião deveria merecer um adequado enquadramento político por parte do trio das presidências. Nesse contexto, eis alguns tópicos que poderão interessar a esse guião:

- É preciso enquadrar devidamente as alterações à política de concorrência (ajudas de estado), tendo em vista o apoio a uma política de reindustrialização europeia;

- É preciso enquadrar devidamente as alterações à política de harmonização fiscal europeia, pois sabemos que a política fiscal é usada como instrumento de incentivo discriminatório à economia;

- É preciso enquadrar devidamente as alterações de política orçamental, em especial em matéria de novos recursos próprios e novas regras do pacto de estabilidade e crescimento e tratado orçamental;

- É preciso enquadrar devidamente as alterações de política monetária, em especial em matéria de inflação e compra de ativos por parte do BCE;

- É preciso enquadrar devidamente a nova política financeira, não apenas em termos de mercado único de capitais, mas, também, de emissão de dívida europeia tendo em vista a nova condicionalidade estrutural;

- Finalmente, é preciso enquadrar devidamente a quadratura financeira da União Europeia na próxima década entre recursos próprios, transferências dos estados membros, mutualização e financiamento monetário (BCE).

E porquê antecipar estas linhas de orientação fundamentais para a política de condicionalidade europeia? Em primeiro lugar, para impedir uma “recuperação assimétrica” e uma divergência ainda maior entre Estados membros, em segundo lugar, para melhorar a qualidade e a consistência das propostas de reforma estrutural (PNR) dos Estados membros e a sua compatibilização entre estados e regiões, finalmente, porque antecipar a política de condicionalidade significa ganhar margem de liberdade política para a intensa negociação institucional que se seguirá.

A presidência portuguesa vista do lado nacional

Nesta linha de pensamento, há um requisito fundamental que deveremos observar, qual seja, o de uma correlação positiva entre taxa de crescimento do PIB e taxa de execução do PNR, na exata medida em que uma taxa de crescimento monótono da economia portuguesa entre 1% e 2% nos primeiros anos do período de recuperação não alavanca suficientemente o investimento e, portanto, a execução do PNR.

De resto, seria muito conveniente para Portugal que até ao final desta legislatura (2023), a condicionalidade europeia continuasse suspensa em matéria de pacto de estabilidade e crescimento (PEC), de modo a executar com sucesso não apenas o atual QFP 2020 (regra de n+3) até 2023, mas, também, o QFP 2021-2027 e o Programa de Recuperação 2030. Assim, os próximos três anos seriam cruciais para estabilizar o país e, dessa forma, iniciar um crescimento virtuoso e não apenas um crescimento monótono. Neste sentido, a preparação rigorosa do orçamento de estado para 2021 terá uma importância transcendente pois concentra no primeiro ano todo o esforço de investimento dos três (3) grandes programas de reformas, não obstante a incerteza que ainda paira sobre os termos do futuro “acordo de parceria” do QFP de Portugal para 2021-2027.

Na melhor das hipóteses, tudo se resolverá favoravelmente durante a presidência alemã, uma espécie de legado positivo da chanceler Merkel, e Portugal terá uma presidência relativamente tranquila. Na pior das hipóteses, todos os problemas transitam para a presidência portuguesa que, assim, se encontrará sobrecarregada e, provavelmente, incapaz de levar a bom porto uma tarefa tão exigente em apenas seis meses. Porém, seja qual for a situação no dia 1 de janeiro de 2021, a participação no trio das presidências permitirá avaliar, antecipar e programar com tempo as tarefas a realizar durante um período de, pelo menos, 18 meses.

Nota Final

Um alerta à navegação para o desenho do futuro sistema operativo dos três programas em execução, QFP 2020 (n+3), Programa de Recuperação e Programa de Reformas QFP 2027. É muito provável que durante a presidência portuguesa estejam em fase de produção os regulamentos operacionais dos vários programas estruturais e coesão. Cuidado, portanto, com o labirinto de processos e procedimentos institucionais e administrativos em redor de tantos instrumentos de estabilização, recuperação e reforma e uma especial atenção ao algoritmo europeu da política de condicionalidade. Uma palavra final para um verdadeiro artista português, o Banco Português de Fomento. À sua volta, tudo pode acontecer.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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