O elogio proibido e político ao plano de António Costa Silva

Que também se aprenda com este processo para o futuro porque além de estratégico, está ali algo que provavelmente é bem mais profundo e útil do que grande parte dos últimos e do atual programa de governo.

Há anos que oiço falar da necessidade de o país parar para pensar e analisar o seu rumo estratégico a todos os níveis. De forma descomplexada, competente objetiva e sem as amarras ou os interesses entre público e privado que subsistem sempre no dia a dia da vida política e que tantas e tantas vezes nos têm atirado ao charco nas diferentes áreas, para logo depois nos procurarmos levantar aqui e ali já com os dinheiros europeus queimados e aplicados onde menos se justificava. Foi assim o nosso fado. Alguns dirão que a academia faz esta radiografia, podendo depois aplicar um trabalho rigoroso, mas a portuguesa, cheia de egos e compromissos que até na criação e desenvolvimento comunicacional para o exterior de uma simples aplicação para combater a covid-19, se veem refletidos, comprometendo assim, o processo em si. Noutros casos, subsiste o alheamento com o mundo empresarial.

Também por isso e com a urgência dessa necessidade em mente, ao terminar de ler a proposta preliminar do plano de António Costa Silva para a recuperação económica e social do país para os próximos dez anos, reforcei a convicção de que esta iniciativa é capaz de ter sido uma das mais relevantes do primeiro-ministro nesta legislatura. Pela competência de António Costa Silva, mas sobretudo pela independência face a todos os ministérios e aos políticos. Algo essencial e percetível ao longo do documento. Percebe-se que não está ali para fazer favores a nenhum setor e não se coíbe de deixar uma radiografia e indicadores bem menos simpáticos do que aqueles que são apontados pelo governo. Percebe-se ainda que o plano é desenvolvido a partir do pressuposto da canalização de fundos europeus para a recuperação da crise económica e que se tornará crítica a partir de setembro para muitas empresas nacionais, segundo o próprio. Só não sabemos quando quanto como e em que moldes chegará esse financiamento europeu. A única certeza que temos é que, seja como for, a aplicação desses montantes será mais determinante do que alguma vez foi. Não há espaço para enganos e sem alguma competitividade futura em setores estratégicos, não se voltará a vislumbrar a saída do buraco.

Politicamente, parece-me que o plano tem logo à partida duas grandes vantagens, cuja crítica de determinados setores no espaço público também o refletem. Desagrada à ala mais à direita do PSD e aos ultra liberais porque expõe alguns factos ligados ao sistema neoliberal e que vingou num passado recente, “…a crise expôs aos olhos de todos as vulnerabilidades do modelo de desenvolvimento económico e social nomeadamente o erro estratégico inerente à visão neoliberal do mundo que minimizou o papel do Estado e exalta o mercado, deixando nas suas mãos a regulação de setores estratégicos da economia, promovendo a deslocalização das empresas e a completa dependência das cadeias logísticas e de abastecimento de bens essenciais no exterior, em particular na China. Essas vulnerabilidades estão patentes também no nível de desigualdades e na marginalização dos setores mais desfavorecidos…”. Desagrada à esquerda porque coloca as pequenas médias e grandes empresas como centro da recuperação económica e motor real de crescimento e da criação de riqueza do país.

Tanto é assim que um plano fácil e objetivo de se ler passou a ser um fator prejudicial para muitos. O facto de se enquadrar a citação de filósofos em diferentes pontos é sinónimo de leviandade e até deu para comparar um documento alemão que é um plano de ação com este de cariz estratégico e a dez anos. Enfim, sobram os que dizem o óbvio: há ali muito que não será novidade como a necessidade imperativa da RE industrialização do país em consonância com as pretensões da União Europeia, a aposta na economia verde e a eletrificação que se quer transversal, mas a desenvolver-se de forma equilibrada.

Também não é menos óbvio que dificilmente haverá capacidade e disponibilidade financeira para implementar uma parte considerável do que ali está em dez anos. Depende-se de muitas variáveis em que a definição do como e em que moldes da União Europeia está no topo da pirâmide. Mas é um caminho e uma estratégia bem elaborada que já fazia falta. Parou-se para pensar, escutou-se interlocutores chaves de diferentes áreas e fez-se isto tudo sem amarras políticas. Chapeau! Além de procurar entender o novo mundo, o plano ignora a carga histórica do país onde esse peso já não conta e releva-a onde ainda pode fazer a diferença face a outros países.

Que também se aprenda com este processo para o futuro porque além de estratégico, está ali algo que provavelmente é bem mais profundo e útil do que grande parte dos últimos e do atual programa de governo. Já noutro aspeto, também são incompreensíveis as críticas que se fazem ao papel central do Estado no plano. Aí, sim, deixar de o nomear com essa relevância seria utópico quando sabemos da falta de liquidez no setor privado e da descapitalização de muitas empresas nacionais no atual contexto.

A eventual aplicação de algumas destas medidas financeiramente dependerá do atual executivo e de outros. Por isso mesmo e por uma vez, que nos livremos aqui de politiquices da própria política e para lá dela e que se lembrem que não existirá uma outra oportunidade de deixar o melhor país possível para o que aí vem. O caminho também é por aqui.     

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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