Uma vénia no adeus a Carlos Costa

Por muitos erros que tenha cometido, Carlos Costa é um português que, em nome do país, enfrentou feudos da corte que muitos julgavam inatingíveis e inimputáveis. Com o beneplácito de Passos Coelho, demoliu uma estrutura de poder paralelo que infectava a vida pública.

Carlos Costa vai deixar o Banco de Portugal num ambiente gelado de indiferença. Durante dez anos habituámo-nos a ouvi-lo nas inúmeras comissões parlamentares de inquérito aos desmandos da banca. Percebemos através de sinais claros que sempre foi uma persona non grata para o PS e para o ex-ministro que agora vai ocupar o seu lugar. Constatámos que a decisão histórica que assinou a 3 de Agosto de 2014, separando os activos do BES num banco bom e num banco mau foi ao mesmo tempo corajosa e excessivamente crédula. Verificámos a cada uma das suas decisões um tempero burocrático e uma propensão para a cautela que o expuseram ora a críticas dos partidos, ora a manifestações de rua. Mas pelo que fez em tempos de chumbo Carlos Costa merece uma palavra que o cinismo partidário não parece pronto a dar. Aguardemos.

Há uma frase de Carlos Costa no auge desse terramoto de Agosto de 2014 que define o seu mandato: “Não há nenhum governador que gostasse de ter estado confrontado com a minha situação.” Os problemas do BES tinham-se tornado assunto recorrente dos jornais há muito. “A ponta do problema”, no dizer de Carlos Costa, foi identificada em Setembro de 2013. Passaram-se meses até que se tomasse uma decisão salomónica. Podia ter sido mais cedo. Devia ter sido mais cedo. Mas é fácil decidir quando se dispõe de todos os dados do problema. Carlos Costa não os tinha, pelo menos para poder decidir drasticamente em nome da lei. Quando os teve, fez algo que marcou a nossa história recente: deixou Salgado com activos tóxicos e abriu-lhe as portas da Justiça.

Sim, depois desta decisão corajosa, nem tudo correu bem. As avaliações dos activos do banco “bom” revelaram-se uma mentira. A venda à Lone Star um desastre. Os que esperaram encontrar na resolução do BES o fim de um pesadelo enganaram-se. Ainda assim, Carlos Costa não merece o esquecimento com que o país político parece celebrar a sua saída. Vale a pena recuperar o que escreveu a propósito António Barreto no PÚBLICO: “O actual governador, homem honrado, sai sem uma palavra de gratidão, merecida, dos poderes que o quiseram utilizar. Em condições de extrema dificuldade, foi um exemplo de serviço público.”

Por muitos erros que tenha cometido, há uma certeza que justifica esse exemplo: Carlos Costa é um português que, em nome do país, enfrentou feudos da corte que muitos julgavam inatingíveis e inimputáveis. Com o beneplácito de Passos Coelho, demoliu uma estrutura de poder paralelo que infectava a vida pública. Se não for por mais, merece o nosso reconhecimento por isso.  

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