A Braga literária está agora reproduzida num mapa

Confrontado com a dissertação de mestrado, Marc Rodrigues elaborou um mapa literário digital de Braga, que inclui 139 citações de dez autores, alusivas a recantos vários da cidade, desde o século XIX. Apresentada na quarta-feira, a ferramenta pretende dinamizar o turismo literário.

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Paulo Pimenta

“O Bom-Jesus. Pedra a delir em água. Desce-se o escadório. Cheira a algas, a linfa, a Génesis. De bocas, de olhos, de mãos de granito, nascem fontes límpidas e frias: um poema mineral!”, evoca Maria Ondina Braga em Quando o claustro é sem ninguém, uma das dez obras a partir das quais se fez o mapa literário de Braga, apresentado nesta quarta-feira. “Maria Ondina Braga viajou muito, mas mostra um vislumbre da sua infância em Braga”, afirma ao PÚBLICO Marc Rodrigues, autor do projecto, sobre a escritora que viveu entre 1932 e 2003, tendo sido professora em Angola, Goa e Macau, e dá hoje nome a um prémio de literatura de viagens.

A versão final do mapa vai ser disponibilizada na quinta-feira, no sítio da Fundação Bracara Augusta, entidade que apresentou a iniciativa, e é o corolário de uma viagem em que Marc se aventurou para concluir o mestrado em Português – Língua Não Materna, na Universidade do Minho (UMinho). Ela arranca na Braga do século XIX, narrada por Alexandre Herculano, em Afluência extraordinária a Braga, e por Camilo Castelo Branco (As aventuras de quatro homens que foram a Braga), estende-se pelo século XX, graças às palavras de autores como Luís Forjaz Trigueiros (Pensei que Braga estaria perdida) e Luiz Pacheco (O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor) e atinge a contemporaneidade com José Manuel Mendes, em Lua deitada no feno. Essa obra, lançada em 2000, percorre os ícones que já se erguiam na cidade oitocentista e que mereceram a atenção dos outros autores – o Bom Jesus do Monte, a e a Avenida Central -, mas também farmácias e cafés, palcos de uma relação entre um avô e um neto. “O José Manuel Mendes é muito descritivo sobre vários locais e fala sempre numa perspectiva muito pessoal”, diz o criador do roteiro digital.

A obra do autor que cresceu na cidade minhota é, aliás, aquela com mais citações incluídas no mapa – 35 entre 139 -, distribuídas segundo os locais mencionados. A selecção dos excertos começou em 2018, quando Marc Rodrigues decidiu elaborar uma dissertação de mestrado “mais prática” do que o habitual. Cedo cultivou a ideia do mapa literário da cidade em que reside desde os quatro anos, tendo limitado a pesquisa a dez das obras incluídas na colecção Braga, Cidade Bimilenar, lançada pela Fundação Bracara Augusta em 2000.

Aos 27 anos, este licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela UMinho sente-se agora a “recolher os frutos” de um trabalho que lhe abriu portas para as mutações da cidade ao longo do tempo, quer nos lugares, quer nas tradições e na forma como se viviam; Marc Rodrigues salienta, por exemplo, o “luto” com que Braga vivia a Semana Santa na primeira metade do século XX, graças a uma “descrição bastante carrancuda de uma cidade sem cafés abertos” por Antero de Figueiredo, em A procissão dos Fogaréus. “Neste mapa, podemos ver como a literatura representa e influencia o espaço, mas também dá uma perspectiva histórica de Braga”, afirma.

Além das referências ao “património material” de Braga, às manifestações culturais e à própria população, a literatura inscrita no mapa também calcorreia lugares que deixaram de existir ou que têm hoje “outras fisionomias”, salienta a professora Micaela Ramón, orientadora do mestrado de Marc Rodrigues. “Aqui recuperam-se descrições de locais que já deixaram de existir. Nas obras mais antigas, há a referência a ruas que simplesmente foram inutilizadas para que fossem abertas outras avenidas”, reitera a professora do Instituto de Línguas e Ciências Humanas da UMinho.

“Incentivar o turismo literário”

Com o mapa apresentado pela Fundação Bracara Augusta, todos os que percorrem as ruas de Braga podem encetar uma busca pelos locais correspondentes às citações. Elas podem ser lidas ou ouvidas, pela voz de várias pessoas, inclusive a de José Manuel Mendes, o único escritor vivo dos dez seleccionados. A fundação, de que Micaela Ramon é primeira vogal do conselho de administração, vai também promover os itinerários dos autores separadamente, ao longo do Verão, começando na quinta-feira, com Maria Ondina Braga. “O mapa deseja incentivar o turismo literário, associado a manifestações como os festivais literários ou as feiras do livro, ou a outras menos comuns, como as casas-museu e estes mapas literários”, reiterou a docente da UMinho.

Marc Rodrigues, por seu turno, vê esta cartografia literária de Braga, algo pouco comum nas cidades, mesmo fora de Portugal - um dos exemplos que encontrou foi o de Nova Iorque -, como um eventual primeiro passo para Braga se tornar uma cidade literária, com “várias iniciativas dedicadas” ao campo artístico. “Portugal é um país perfeito para o turismo literário, por termos grandes autores e sermos um país culturalmente muito rico. Quem sabe, Braga não se torna uma cidade literária, com um festival literário e várias iniciativas durante o ano”, sugeriu.

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