Queres viver e trabalhar no Reino Unido? Agora precisas de pontos

Numa Europa ainda livre e onde dezenas de milhões de cidadãos circulam livremente, a ausência de pontos, critérios e requerimentos será sempre uma mais-valia para quem procura melhores condições de vida e trabalho. Quem fica a perder? Sua Majestade. E todos os seus súbditos.

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Luke MacGregor/Reuters

Agora ainda não é agora, mas é como se fosse. O sistema de pontos para todos os não britânicos começa em força em Janeiro de 2021: se queres viver e trabalhar no Reino Unido, precisas de ter um mínimo de pontos.

E como os jornais não falam de outra coisa, a mensagem infelizmente não requer dois dedos de testa para quem almeja um futuro por terras de Sua Majestade, ou não estivesse o governo a empurrar empregadores e empresas para a contratação de mão-de-obra nacional em detrimento de todos os outros. 

Todos os outros somos nós, sem ajudas nem favores, sem um berço de ouro, conhecimentos ou cunhas, ou seja, a esmagadora maioria desempregada, precária, incapaz de viver ou sonhar, sem outra alternativa senão a fuga para a frente, agora mais difícil quando se pede o cumprimento de critérios nem por isso compreensíveis quando se quer emigrar para outro país, neste caso o Reino Unido, país de escolha para tantos pela universalidade do inglês nos dias que correm.

Quer isto dizer ser necessário à partida ter na mão uma oferta de emprego (20 pontos). Ora, se hoje tivesse de emigrar como professor desempregado que sou em Portugal e sem trabalho garantido no Reino Unido, basicamente não emigraria. Com as pernas cortadas ainda antes de começar a corrida, morreria de fome e frustração em Portugal.

Como licenciado já tenho 20 pontos, mas 20 pontos não chegam, preciso de 70, pelo menos 70 e sempre 70 pontos. Mesmo sabendo haver falta de professores em Inglaterra. Mas nenhuma escola contrata sem uma entrevista, presencial, pois claro, seguida de uma aula, ainda mais presencial e como é óbvio. 

E se fosse hoje, como não tenho um salário mínimo garantido de 25.600 libras por ano (20 pontos), a tal oferta de emprego (20 pontos) e um certificado para certificar os meus conhecimentos de inglês (10 pontos), outra opção não teria senão colocar de lado toda e qualquer esperança e sonho de um dia leccionar, mas não só, viver.

No entanto, vejamos a situação do lado de lá da barricada e no que toca ao ensino: em Inglaterra há falta de professores, nomeadamente de Ciências e Matemática, entre muitos outros. Se por um lado as universidades não formam professores em número suficiente, por outro o salário, o custo de vida e a falta de condições de trabalho não tornam a profissão apetecível aos olhos dos britânicos. E aqui entramos nós. 

Resultado prático: entre o Brexit e o sistema de pontos, antecipa-se uma sangria de profissionais, começando nos professores, passando por médicos, enfermeiros, investigadores, engenheiros, arquitectos, entre tantos outros.

E como a qualidade do sistema de ensino britânico, ou a falta dela, é em si a explicação para a incapacidade de um país por demais dependente de estrangeiros para educar e formar os seus, rapidamente entraremos num ciclo vicioso onde autofagia será o verbo dominante e a implosão a conclusão esperada.

O Reino Unido não é especial. Quer ser, mas não é. Nunca foi. Terra de reis e rainhas, príncipes e princesas, demandas, batalhas, conquistas e impérios, vive alicerçado na fantasia do regresso ao antigamente, ao colonialismo e imperialismo, o centro de mundo que nunca foi quando a Terra é, sempre foi e será, redonda.

Ao fechar-se ao mundo num mundo global, condena à morte a sua galinha dos ovos de ouro, a diversidade que o constitui e na qual vive, verdadeiramente, a sua riqueza. Isolado geográfica e politicamente, o Reino Unido habilita-se ao cognome de jangada de pedra, para sempre à deriva, esquecido dos olhares do mundo.

Numa Europa ainda livre e onde dezenas de milhões de cidadãos circulam livremente, a ausência de pontos, critérios e requerimentos será sempre uma mais-valia para quem procura melhores condições de vida e trabalho. Quem fica a perder? Sua Majestade. E todos os seus súbditos.

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