Dia 83: Dêem lá à criancinha o que ela quer!

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Ana,

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Se há coisa que me põe com vontade de fazer uma birra de avó, é ouvir os netos a falarem com os pais naquela vozinha choramingona e irritante, que conheço melhor pela palavra “whining”, pela simples razão de que a minha mãe me dizia constantemente “Stop Whining!”.

Sim, eu sei que é a prova acabada de que é um problema ancestral, mas a consciência de que andei atrás dela a chateá-la com as minhas lamúrias, não me faz nem um bocadinho mais tolerante à dos outros, o que é que queres.

Já te oiço a perguntar-me se imagino que os pais não sofrem ainda mais do que os avós, mas a minha contra-resposta é de que não é nada a mesma coisa, porque vocês podem calá-los. Ou pelo menos tentar. Enquanto a nós só nos sobra engolir a irritação, ou dizer alguma coisa, e apanhar com um raspanete vosso por cima. Podia empatizar convosco, porque também já estive ensanduíshada nessa situação em que envergonhados e zangados só temos vontade de matar simultaneamente o autor do comentário e o nosso filho, mas hoje não me apetece.

Também não me digas que a principal razão porque nos atacam com aquela voz é porque resulta. Isso sei eu. Aliás, nestas coisas, inclino-me mais para o lado do Oscar Wilde quando diz que a melhor maneira de vencer uma tentação é cedendo-lhe. Dêem lá à criancinha o que ela quer, desde que se cale.

A tua mãe, que muito te estima, desde que não choramingues,

Mummy

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Querida Mummy,

Já reparou que se tirar o “h” de whine fica wine (vinho)... Parece-me que é uma boa pista sobre o que há a fazer nessas circunstâncias!

Bem podia ficar horas a analisar o whinning e as formas pedagogicamente correctas de lidar com ele, mas chego à conclusão – pela minha própria experiência, que verdade seja dita não é um parâmetro científico – de que em 99% dos casos é fome ou sono. Ter isto em mente pode ser muito mais valioso do que parece à primeira vista. É que não há nada de mais perigoso ou inútil do que entrar no ciclo do whinning. Porque invariavelmente é um diálogo de loucos, entre frases em que a criança se queixa das coisas mais surreais possíveis, como “Mas eu queria aquele papel que estava colado à garrafa e que eu adorava e que tu deitaste para o lixo” ou “Mas eu não quero uma bolacha partida em dois, quero a bolacha inteiraaaaaa...”, e as nossas respostas, geralmente tal a irritação não muito mais lúcidas, que só vão subindo de tom de cada vez que as repetimos: “Sim, está bem, mas não precisas de chorar assim”, “Sim, mas não é preciso falar assim!”, até sermos literalmente nós que temos vontade de chorar.

Uma coisa é certa: o whinning cresce com qualquer tipo de resposta, por isso tem vantagens dizer apenas “Ummmm... pois... claro...”, enquanto os embalamos levemente até adormecerem, ou os encaminhamos para uma torrada com manteiga. Seja como for, julgo que nestas circunstâncias é perfeitamente válido usar todos os recursos de distracção possível, incluindo os com açúcar, porque verdade seja dita “Não nos pagam para isto!”.

Beijinhos


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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