Transparência, a comissão “vigilante” e “tira-dúvidas” dos deputados, até laborais

Comissão da Transparência e Estatuto dos Deputados que Rui Rio queria extinguir foi criada na legislatura passada por proposta do PSD e do PS.

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O socialista Jorge Lacão preside à Comissão da Transparência desde Outubro do ano passado. Enric Vives-Rubio

A comissão parlamentar de Transparência, criada em 2019 para substituir a de Ética, é também um órgão de recurso para tirar dúvidas diversas, entre elas laborais, como aconteceu a dois deputados do PS, João Paulo Pedrosa e Nuno Sá.

“Normal”, explica Jorge Lacão, o socialista que preside à comissão de Transparência, dado que o Estatuto dos Deputados determina que um parlamentar não pode ser prejudicado na sua vida profissional por exercer o seu mandato na Assembleia da República e cabe à comissão fazer essa análise. Com um cuidado, diz, de evitar que se dêem indicações a entidades patronais, públicas ou privadas, sobre a forma de solução de um conflito, mas sem deixar de exprimir um parecer.

Foi isso que aconteceu com Nuno Sá, eleito deputado por Braga, que é quadro da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), e foi chamado para o estágio de inspector superior quando já exercia as funções no Parlamento. Ora, o problema é que a função é incompatível com a de deputado, mas isso ficou resolvido por não exercer as duas funções em simultâneo.

Em Maio, colocou a dúvida e a comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados concluiu agora, num parecer da deputada Sara Madruga da Costa (PSD), aprovado na quarta-feira, que Nuno Sá pode recusar apresentar-se para fazer o estágio enquanto for deputado. Quanto ao resto da dúvida, se poderá “iniciar o estágio após a cessação do seu mandato parlamentar”, o parecer afirma: “Terá de ser o sr. deputado, junto dos serviços competentes, a dirimir essa questão.” “Porquanto não cabe à Assembleia da República substituir-se aos serviços da ACT”, lê-se no texto.

João Paulo Pedrosa, eleito pelo PS pelo círculo de Leiria, pertence aos quadros do Instituto de Segurança Social, teve nota “Muito Bom” em 2008 e três anos depois, quando era deputado, viu a notar ser-lhe reduzida.

Agora, que voltou ao Parlamento em 2020, escreveu à comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados para saber se isso é permitido à luz da lei que impede um eleito de ser prejudicado na sua carreira enquanto está em funções em São Bento.

“Eu acho que não, mas quero ver qual é a resposta”, afirmou João Paulo Pedrosa à Lusa, depois de explicar o motivo do seu requerimento. As carreiras foram “descongeladas em 2018” e quando a entidade patronal foi fazer as contas à sua carreira profissional “baixou a nota, de 2011 para 2015”, alegou. O parecer sobre este caso já esteve na agenda da comissão de Transparência, mas foi adiado para a reunião da próxima quarta-feira.

Conselho de Ética recusado

A comissão parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados veio substituir, na actual legislatura, a comissão da Ética, e resulta também de uma série de mudanças na legislação para reforçar a transparência no Parlamento e na vida política. O PSD propôs agora a sua extinção e substituição por um conselho de Ética​ composto maioritariamente por “personalidades de reconhecido mérito”, o que foi recusado pelo plenário na sexta-feira passada. No entanto, fora o PSD que, com o PS, previra a existência da comissão parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados quando elaboraram em conjunto o novo Código de Conduta dos Deputados em 2019, já no final na legislatura passada.

Genericamente, esta comissão deve “pronunciar-se sobre todas as questões relativas às incompatibilidades, incapacidades, impedimentos, levantamento de imunidades, conflitos de interesses, suspensão e perda do mandato de deputado”, segundo o regimento. Mais concretamente, é esta comissão que analisa casos de incompatibilidades, levantamento de imunidade parlamentar em processos judiciais, suspensões e renúncias de mandato, “apreciar a eventual existência de conflitos de interesses” e que esteve no centro das atenções quando o PSD quis substituí-la, e não conseguiu, por um conselho com personalidades externas à Assembleia da República.

Além dos casos de Nuno Sá e João Paulo Pedrosa, a comissão analisou, desde a sua instalação, em Novembro, mais nove casos quanto a incompatibilidades e impedimentos - e alguns levantaram polémica, como o da deputada socialista Cláudia Cruz Santos que questionou a comissão se podia exercer o cargo de presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol e que acabou por ser autorizada apesar das críticas da larga maioria dos partidos.

Outro assunto controverso, que deverá ter uma decisão esta quarta-feira da comissão, é a resposta ao apelo para uma “avaliação exaustiva de eventuais conflitos de interesses que subsistem” entre deputados de vários partidos, do PSD, PS e Chega, feito por dois candidatos a Belém, Paulo Morais e Henrique Neto, pelos presidentes da Associação Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, do Observatório de Economia e Gestão de Fraude, Óscar Afonso, e por Mário Frota, da Associação Portuguesa de Direito do Consumo. 

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