Novo Banco: será apenas uma questão semântica?

Na insuportável lengalenga do Novo Banco, que nos tende a considerar demasiado impreparados para entender a alta arte da negociação financeira, a perda de 328,8 milhões de euros que, mais tarde, lá acabaram tapados pela almofada do Fundo de Resolução, não é nada do outro mundo.

Definição de “desconto” no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: dedução (numa quantia a receber); quantia que se desconta; abate, ágio. Ora, o Novo Banco tinha registado no seu balanço um conjunto de imóveis com o valor de 487, 5 milhões de euros e vendeu-os ao fundo norte-americano Cerberus por 159 milhões. Mas, fez saber a administração do banco, a diferença entre um valor e o outro não foi um “desconto” equivalente a 70% do valor inicial: foi, apenas, “o efeito da diferença entre o preço do mercado e o valor de avaliações que seguem o método de custo ou que assumem diferentes estimativas de capacidade construtiva [de parte dos imóveis em causa]”.

Traduzindo esta declaração da insuportável lengalenga do Novo Banco, que nos tende a considerar demasiado impreparados para entender a alta arte da negociação financeira, a perda de 328,8 milhões de euros que, mais tarde, lá acabaram tapados pela almofada do Fundo de Resolução, não é nada do outro mundo: é apenas uma questão de mercado, ou de método. A administração inventou um número para pôr no balanço? Equacionou a possibilidade de adiar o negócio face à miséria das propostas apresentadas? Pensou em dividir o bloco de imóveis em partes mais pequenas? Nada se sabe.  

Até porque, neste caso, mais do que referir uma perda (já conhecida), a notícia assinada pela jornalista Cristina Ferreira dá nota de uma particularidade do negócio que não consta no comunicado do Novo Banco: quem comprou os imóveis a preços de “mercado” foi um fundo para o qual o seu chairman trabalhou, quando dirigiu o banco Bagaw na Áustria. Diz o Novo Banco que recebeu cinco propostas para adquirir os imóveis e que duas estiveram em negociação final, até o fundo Cerebrus ser declarado vencedor. Não nos garante que, nessas negociações, Byron Haines se absteve de participar por evidente conflito de interesses.

Já é hora de o Novo Banco e o seu principal accionista, o fundo Lone Star, perceberem uma evidência: os contribuintes portugueses não estão apenas cansados de tantas imparidades, de tantos problemas de mercado quando o mercado imobiliário se valoriza, de tanta facilidade com que torram a garantia de 3,9 mil milhões de segurança que um Estado aflito, crédulo e voluntarista lhes concedeu. Têm todas as razões para começar a suspeitar que são tratados como cidadãos de uma república das bananas onde a alta finança faz o que quer. Desconto ou não desconto, é apenas uma questão semântica. O que é real é a história de um banco com a prodigiosa capacidade de insultar a nossa inteligência a cada dia que passa.  

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