Em Belver, entrelaçam-se projectos para recuperar a floresta perdida

Ao longo dos últimos anos, a freguesia alentejana tem investido num “entrelaçado” de projectos comunitários para uma “mudança de paradigma” que deixe finalmente para trás os Verões pintados de chamas. O de 2017, levou-lhe 85% da área florestal.

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A história recente da floresta de Belver não a distingue particularmente do restante território rural português. Ao longo dos últimos vinte anos, quatro incêndios de grandes dimensões (2003, 2005 e dois em 2017) fustigaram a freguesia alentejana, causando-lhe sérios danos sociais, económicos e ambientais — em 2017, estima-se que 85% da área florestal de Belver tenha ardido. São os esforços dos agentes locais envolvidos na gestão do território, reflorestação, prevenção de fogos e viabilidade económica da floresta, que a destacam pela diferença e inovação.

Em 2011, a criação da sociedade Terras de Guidintesta permitiu agregar as vontades de alguns proprietários da freguesia, que concordaram em entregar a esta empresa a gestão dos seus terrenos, cerca de 600 hectares. Serão eles a receber as 300 mil árvores custeadas pelo projecto Reflorestar Belver, uma iniciativa desenhada e realizada em parceria com a Associação de Produtores Florestais de Belver (APFB) que prevê a angariação de financiamento, numa lógica de crowdlanding. Desta forma, tornou-se possível iniciar a execução de uma das três propostas aprovados pelo PDR2020, as quais receberão 630 mil euros a fundo perdido depois de concretizadas.

O projecto, que decorrerá em três fases, realizou a sua primeira recolha de capital a 20 de Janeiro, quando, em menos de 24 horas, 123 investidores disponibilizaram 50 mil euros. “Uma boa surpresa”, qualifica Manuel Nina, sócio fundador da GoParity, a plataforma de empréstimos colaborativos associada a “projectos sustentáveis” que albergou a recolha de fundos para o Reflorestar Belver. Para explicar o “grande sucesso alcançado” com a iniciativa, Manuel serve-se das condições em que a mesma decorreu – “o tempo estabelecido para o reembolso do montante emprestado, três anos, e um juro na ordem dos 5.6%, que é um valor interessante” –, mas também pela “génese” da iniciativa que prevê a aposta em “espécies autóctones”.

De facto, é sob o lema “mudar o paradigma da floresta de Belver” que novas espécies figurarão na paisagem da freguesia, tais como o sobreiro, o pinheiro-manso e o medronheiro. No caso das duas últimas, a expectativa é que a exploração da pinha e do medronho permita encurtar o tempo de espera para a ceifa e, assim, combater a ideia de que só o eucalipto – árvore que ao longo das últimas décadas cresceu substancialmente na freguesia – pode ser rentável a curto prazo. Para o fazer, Carlos Machado, engenheiro e gerente da Terras de Guidintesta, prevê recorrer, por exemplo, à técnica do enxerto, de modo a “conseguir gerar algumas receitas”. “Não será na totalidade da área, apenas em alguns pontos, mas será o suficiente para mantermos a máquina em funcionamento para uma manutenção constante, até chegarmos ao grosso do rendimento, o que demorará mais um pouco.”

Rebanho comunitário

“Entrelaçados” na iniciativa Reflorestar Belver, dois outros projectos estão a ser desenvolvidos na freguesia alentejana, também no âmbito de gestão florestal e na prevenção de incêndios. É o caso do Rebanho Comunitário de Belver que, como o próprio nome indica, visa o uso de caprinos para a limpeza dos terrenos com o objectivo de reduzir os combustíveis florestais. Isto “numa lógica comunitária”, já que, segundo Carlos, o rebanho “é propriedade de vários investidores privados”. “Foi um dos primeiros projectos em Portugal das chamadas cabras sapadoras. Começamos em 2007 e temos vindo a aprimorar a técnica e a adapta-la à nossa a realidade.” A articulação do rebanho comunitário com a futura arborização permitirá consociar as espécies florestais com a componente animal, de modo a “todo um ecossistema funcione.”.

Com o pressuposto de “tirar proveito económico dos terrenos nas aldeias”, um segundo projecto, intitulado Aldeia Sustentável, Aldeia Segura, está actualmente a ser desenvolvido numa junção de forças entre a Terras de Guidintesta, a Associação de Produtores Florestais de Belver e a Junta de Freguesia. A ideia é recuperar a tradição das hortas cultivadas antigamente à volta das aldeias e proceder à comercialização dos produtos hortofrutícolas, sob a forma de capazes, num mercado que os valorize. Desta forma, resume o engenheiro, “substitui-se a necessidade que havia anualmente de limpar os terrenos, por uma actividade económica sustentável, que evite que as pessoas tenham todos os anos gastos nas limpezas sem que obtenham daí um proveito prático”. No cruzamento das três iniciativas, Belver consegue, assim, proteger a sua população e prevenir um mal que já lhe bateu à porta demasiadas vezes.

Voltar à terra

Com uma população envelhecida, “não é fácil voltar a trazer ânimo” às pessoas “para que voltem a trabalhar a terra. Pelo que Martinha Jesus, presidente da Junta de Freguesia, vê com bons olhos “os investimentos na floresta, principalmente quando se trata de projectos assentes na biodiversidade”, tal como o Reflorestar Belver. A expectativa é, por isso, que o futuro traga um novo capítulo para a floresta de Belver, a mesma que é “indispensável enquanto paisagem, ecossistema e enquadradora da actividade turística” da freguesia – que conta igualmente com uma brigada de sapadores florestais criada pela Associação de Produtores Florestais. Para o sucesso das iniciativas, Martinha coloca o ónus em que “haja gente mais nova a regressar ao interior”.

Para já, os terrenos que receberão o primeiro agrupamento de árvores estão a ser sujeitos a acções de limpeza e de preparação para as plantações, que devem acontecer a partir de Outubro, depois de alguns atrasos no processo provocados pela pandemia da covid-19. Passados os efeitos do vírus que virou o mundo do avesso, duas novas sessão de investimento serão agendadas, de modo a que seja possível executar os restantes projectos aprovados. O objectivo é, segundo Carlos Machado, evitar a todo o custo é o “abandono do território”, sob pena de o ano de 2017 “se repetir”. “Temos que ser muito resilientes, porque se não mudarmos de atitude é o que vai acontecer.”

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