A distância que marca a política

Anteontem foi altura para perscrutar o futuro, pelo menos no que à política respeita.

Há dias assim, que nos falam mais do futuro do que do reflexo daquela precisa data, como quarta-feira, em que um país se debatia perante a pandemia que, insidiosa, teimava em não nos libertar para o sol. Os portugueses, sem saber se têm férias ou se têm emprego, podem estar perdidos nestes dias incertos, mas anteontem foi altura para perscrutarem o futuro, pelo menos no que à política respeita, porque há muita gente a olhar lá para a frente.

Quarta-feira foi o último dia das conferências que, há mais de três meses, reuniam o poder científico e o poder político no Infarmed por causa da covid-19. É o sinal de que entramos numa fase de gestão corrente da pandemia e, sem declarações à nação para fazer, o Presidente da República descola-se naturalmente da posição pouco confortável de surgir sempre a par do primeiro-ministro. Não falta assim tanto para as eleições presidenciais, até lá as condições económicas deverão agitar o ambiente político, e um candidato que quer ser  o mais abrangente possível precisa de cultivar alguma distância social de António Costa. Não muita, mas alguma.

Se o destino não se joga ao centro, parece. O fim das reuniões passou, Centeno passará, Assis passará. O entendimento entre Rui Rio e António Costa, de que são prova as nomeações que quarta-feira se apresentaram ao escrutínio parlamentar, não parece ser coisa de circunstância. O social-democrata continua com o comportamento de um maratonista e o segundo, com a mesma habilidade política e leitura da realidade com que fez um primeiro mandato ancorado à esquerda, bem pode, com umas eleições presidenciais pelo meio em que provavelmente não terá candidato, fazer um segundo mandato mais inclinado para a direita. Ao centro, ambos cultivarão alguma distância social, claro, mas só a que for politicamente conveniente.

A quarta não fecharia sem mais dois momentos de futuro. Carlos César, em entrevista ao PÚBLICO e à RR, veio avisar que os candidatos à sucessão de Costa “vão ter de esperar um bocado” e Pedro Nuno Santos ouviu-o e olhou o caminho em frente. Numa outra entrevista, à RTP, veio declarar que, se Costa se inclina à direita, ele fica à esquerda. Se nas eleições presidenciais o PS não apresentar um candidato, o ministro socialista não terá problemas em votar no candidato do Bloco ou do PCP. Para o possível candidato à sucessão de Costa fica o desassombro e a prova de coerência com que congrega a sua base de apoio, que terá sempre alguma dificuldade para digerir o candidato Marcelo. Sim, também é tempo para Pedro Nuno Santos marcar a sua distância, a política, que é razoável.

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