Arrogância e debandada

Ministro dos Negócios Estrangeiros da Bélgica pediu há um mês a Portugal que não adoptasse medidas restritivas contra passageiros oriundos daquele país. Agora, colocou Lisboa na “lista vermelha”

1. Há um mês, Philippe Goffin, preocupado, pegou no telefone para perceber se Portugal estava a pensar ou não aplicar medidas de restrição de passageiros oriundos da Bélgica. Goffin é ministro dos Negócios Estrangeiros do país que acolhe a sede da Comissão Europeia, entre outros organismos, e na altura os números sobre novos casos de covid-19 na Bélgica faziam soar os alarmes.

Quarta-feira, o mesmo ministério belga anunciou que as viagens para Portugal são desaconselhadas por considerar elevado o risco de covid-19 e na quinta-feira colocou Lisboa na “zona vermelha”, o que significa que os passageiros que regressem à Bélgica terão obrigatoriamente de se sujeitar a um teste de despiste do novo coronavírus e de fazer quarentena. É este um exemplo da tão propalada solidariedade europeia?

O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, que se tinha insurgido de forma dura contra semelhantes medidas impostas na semana passada a Portugal por parte do Reino Unido, mostrou em audição no Parlamento como a diplomacia também pode ser feita com transparência. O telefonema de Philippe Goffin foi por ele relatado com os pormenores suficientes: “A mesmíssima Bélgica que hoje sugere que os passageiros vindos de Portugal ou Espanha devam auto isolar-se voluntariamente à chegada à Bélgica é a mesma Bélgica cujo ministro dos Negócios Estrangeiros me telefonava há um mês a perguntar se Portugal ia tomar alguma medida contra os belgas dado o elevado número de casos e de óbitos que registavam e que ficava aliviado quando lhe respondi que não, que Portugal não crê que este tipo de medidas ajude a Europa a debelar a pandemia”.

“Todos nós devemos ter humildade. Eu pessoalmente já passei pela experiência de pensar, quando tratei do repatriamento de portugueses de Wuhan, que esse era um problema da República Popular da China. Mas a evolução [da pandemia] tem demonstrado que esse é um problema de todos nós”, disse Santos Silva aos deputados de vários partidos, considerando que a primeira linha de combate é a via sanitária. Já sobre a relação com o Reino Unido, a quem acusou de não se comportar como um verdadeiro amigo de Portugal, garantiu que estão à procura de “soluções”. Veremos se serão soluções solidárias.

2. Debandada na DGS? Numa semana, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) perdeu dois dos seus principais quadros: Rita Sá Machado, chefe de divisão de Epidemiologia e Estatística, e Graça Lima, directora de Serviços de Informação e Análise. A primeira saiu para um cargo na Missão Permanente de Portugal junto dos Organismos e Organizações Internacionais das Nações Unidas, em Genebra. A segunda ainda não se sabe.

Na verdade, o que estava mesmo à espera era da notícia da demissão do responsável pela Administração Regional de Lisboa, Luís Pisco, a quem o Governo passou um atestado de incompetência quando, no início de Junho, decidiu criar o chamado Gabinete de Intervenção para a supressão da covid-19 na Região de Lisboa, e foi buscar o médico Rui Portugal para o coordenar. Luís Pisco, que não me lembro de ter dado explicações em qualquer das conferências diárias da DGS, continua desaparecido em parte incerta. E, enquanto isso, o número de infectados em lares na Grande Lisboa dispara e a Saúde não consegue explicar onde pára o reforço de 80 médicos em Lisboa.

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